
Antes de iniciar quero deixar claro que esta leitura comparada não é uma leitura acadêmica, e sim uma leitura amadora e amorosa da obra de Jane Austen.
Cheia de ironia, a frase inicial de Orgulho e preconceito é uma das mais conhecidas do mundo. Sempre que a leio em inglês me pergunto se em outras línguas terá o mesmo sabor. E outra pergunta surge: e as diferentes traduções na mesma língua? Aqui começam as dúvidas e minha leitura, sempre me perguntado qual será a interpretação de Cátia pois não trocamos uma palavra sobre a leitura antes de publicarmos as respectivas experiências. Avante!
It is a truth universally acknowledged, that a single man in possession of a good fortune must be in want of a wife.
É uma verdade universalmente aceite que um homem solteiro na posse de uma fortuna avultada necessita de uma esposa. PT
É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de uma esposa. BR
Para mim, e isto de ironias e coisas engraçadas são muito particulares, a graça desta desta frase está no “deve estar necessitado” com ênfase no “deve”, e assim sendo o “necessita” sozinho, da tradução portuguesa me parece muito desenxabido.
Don’t keep coughing so, Kitty, for heaven’s sake! Have a little compassion on my nerves. You tear them to pieces.
Não tussas dessa maneira, Kitty, pelo o amor de Deus! Tem alguma compaixão pelos os meus nervos. Pões-mos em franjas. PT
Não tussa desse modo, pelo amor de Deus, Kitty. Tenha um pouco de piedade dos meus nervos… Você os está dilacerando! BR
Uma das alegrias destas leituras comparadas são as palavras e expressões diferentes da nossa língua portuguesa. Um exemplo está na reprimenda feita pela senhora Bennet a Kitty, que não para de tossir. Não conhecia esta expressão, “por-se em franjas”. Achei divertidíssima e muito apropriada para a senhora Bennet!
What say you, Mary? for you are a young lady of deep reflection I know, and read great books, and make extracts.
Que pensas disto, Mary? Bem sei que és uma jovem de profunda introspecção, que lê bons livros e deles extrais ensinamentos. PT
O que acha, Mary? Sei que é uma moça de juízo; lê grandes livros e faz resumos de tudo que lê. BR
Quando Mr Bennet diz que Mary lê “great books” e “make extracts”, a minha leitura é que ele está fazendo chacota com a filha e querendo dizer que ela lê livros de grande tamanho e que seus resumos são inúteis. Deste modo, mesmo não estando errada, com a tradução de “great books” por “bons livros”, perde-se a piada. Quanto ao “make extracts” não faz sentido traduzir por “extrais ensinamentos”, não nesta frase.
She is tolerable; but not handsome enough to tempt me;
É sofrível, mas não suficientemente bela para me tentar. PT
É tolerável, mas não tem beleza suficiente para tentar-me. BR
A tradução portuguesa de “tolerable” por “sofrível” é correta mas para mim é como se tivesse dizendo algo sem pé nem cabeça! Estou curiosíssima para saber a opinião de Cátia neste caso. (Repete-se também no capítulo 5 quando rememoram o fato ocorrido no baile.)
Mary had heard herself mentioned to Miss Bingley as the most accomplished girl in the neighbourhood;
Mary ouvira alguém descrevê-la à menina Bingley como a rapariga mais prendada da comarca. PT
Mary ouvira o seu nome mencionado por Miss Bingley como sendo o da moça mais dotada da reunião. BR
Mary foi mencionada “para” e não “por” Miss Bingley e portanto a tradução brasileira não está correta e talvez por esse motivo a adaptação de “neighbourhood” por “reunião”. Me parece também que a tradução portuguesa por “comarca” abrange uma área muito maior do que a vizinhança.
Then, the two third he danced with Miss King, and the two fourth with Maria Lucas, and the two fifth with Jane again, and the two sixth with Lizzy, and the Boulanger –”
Depois, dançou com a menina King, e a seguir com Maria Lucas; e depois novamente com Jane e em seguida com Lizzy, e a boulanger… PT
Depois dançou com Miss King as duas terceiras, com Maria Lucas as duas quartas, e as duas quintas com Jane novamente, as duas sextas afinal com Lizzy e a Boulanger. BR
A senhora Bennet, logo que voltou do baile, passou a enumerar todas moças que dançaram com Mr. Bingley. O texto original que estou usando aqui é do site Mollands e vê-se claramente que Mrs. Bennet foi interrompida (pelo uso do travessão) pelo Mr. Bennet que já não aguentava a tagarelice da esposa.
Lúcio Cardoso traduziu precisamente os detalhes das danças mas se perdeu quando supôs que Boulanger fosse o nome de uma moça, quando na verdade é nome de uma dança. E qual seria o motivo dessa confusão quando o original parece tão claro? Encontrei a resposta no meu exemplar em de 1907 que termina a frase do modo que Cardoso a terminou: “and the two six with Lizzie and the Boulanger”.
E para encerrar, duas observações. A primeira sobre a expressão usada por Bingley ao conversar com Mr. Darcy “for a kingdom!” foi traduzida apenas na versão portuguesa como “Valha-nos Deus!”. E a segunda, apenas para registro pois pretendo escrever um post separado, sobre o uso de Lizzie e Lizzy, que na tradução portuguesa está presente com as duas grafias e na brasileira, até o momento, somente Lizzy.
Até os próximos capítulos!
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LEITURA DE CÁTIA
Leitura Comparada Orgulho e Preconceito – Portugal (1-5)
ILUSTRAÇÕES
Aquarelas de C. E. Brock da minha coleção “The Series of English Idylls”
“My dear Mr. Bennet, how can you be so tiresome?” Capítulo 1
“Come, Darcy,” said he, “I must have you dance.” Capítulo 3
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