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Quando leio o capítulo 24 de Mansfield Park onde Henry Crawford explica para a irmã Mary seus motivos para conquistar Fanny Price, eu me pergunto: Jane Austen terá lido Choderlos de Laclos? Eram  contemporâneos e As ligações perigosas (Les Liaisons Dangereuses ) foi publicado em 1782. Bem, talvez ela não tenha lido mas meu querido cad*, Henry Crawford, certamente leu…

Ligações perigosas - Alessandro Nivola como Henry Crawford em Mansfield Park 1999
Ligações perigosas – Alessandro Nivola como Henry Crawford em Mansfield Park 1999

Henry conta para irmã seu plano.

[…] my plan is to make Fanny Price in love with me.

[…] o meu plano é fazer com que Fanny Price se apaixone por mim.

Diante dos protestos dela, ele explica seu desejo.

But I cannot be satisfied without Fanny Price, without making a small hole in Fanny Price’s heart.

Mas eu não me satisfaço senão com Fanny Price; preciso deixar uma marca no coração de Fanny Price.

Ele considera Fanny Price um desafio.

Her looks say, ‘I will not like you, I am determined not to like you’; and I say she shall.

O olhar dela me diz: “Não hei de gostar de você e estou decidida a não gostar”; e eu digo que ela gostará.

Ele garante para a irmã que não magoará Fanny, afinal quer muito pouco…

[…] only want her to look kindly on me, to give me smiles as well as blushes, to keep a chair for me by herself wherever we are, and be all animation when I take it and talk to her; to think as I think, be interested in all my possessions and pleasures, try to keep me longer at Mansfield, and feel when I go away that she shall be never happy again. I want nothing more.

Quero só que ela me olhe com mais simpatia, que me sorria e core, que guarde uma cadeira ao lado dela para mim e que se alegre se eu me sentar nessa cadeira e lhe falar; que pense como eu penso, que se interesse por todos os meus bens e prazeres, que procure me conservar mais tempo em Mansfield  e que, quando eu for embora, sinta que nunca mais poderá ser feliz. É só isso que quero.

É preciso ler todo o diálogo para melhor apreciar esta conversa dos irmãos Crawford, mas creio que as partes citadas são suficientes para ter uma idéia das intenções de Henry e entender por que lembrei de Ligações perigosas, mais precisamente da carta número 6 onde o Visconde de Valmont explica para Marquesa de Merteuil o prazer de conquistar Madame de Tourvel.

Que delícia ser alternadamente o causador e o vencedor dos seus remorsos! Longe de mim a idéia de destruir os preconceitos que a assaltam. Eles aumentarão minha felicidade e minha glória. Que ela acredite na virtude, mas para sacrificá-la a meus pés; que suas faltas a amedrontem sem poder detê-la; e agitada por mil terrores, não possa esquecê-los e dominá-los senão em meus braços. Então consentirei que ela diga: “Adoro-te”. Ela só entre todas as mulheres será digna de pronunciar tal palavra. Tornar-me-ei realmente o Deus que ela há de preferir. As relações perigosas, Choderlos de Laclos. Tradução de Carlos Drummond de Andrade

E como um canalha sempre lembra outro, lembrei de Chad do ótimo filme Na companhia de homens. Os três tiveram destinos diferentes, mas o motivo da conquista me parece o mesmo, vaidade.

Alessandro Nivola e Frances O’Connor como Henry Crawford e Fanny Price.

  • Fotos de Mansfield Park, (Patricia Rozema – 1999).
  • * Cad = canalha. Descobri esta palavra (só não sei se tem o mesmo peso do português) no blog Idolising Jane do Dear Old Fogey grande apreciador dos Crawford e particularmente de Mary.
  • As traduções do texto de Mansfield Park, Rachel de Queiróz
  • Filme Ligações Perigosas, (Stephen Frears – 1988) com John Malkovich no papel de Visconde de Valmont. IMDb
  • Filme Valmont, Milos Forman (1989) com Colin Firth como o visconde. IMDb
  • Filme Na companhia de homens, (Neil LaBute – 1997) com Aaron Eckhart como Chad. IMDb

 

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27 comentários

  1. Mas o que faria eu sem meu Valmont, Raquel, querida? Tarde demais para esquecer. Sem este “cad” em minha vida, sou absolutamente nada. 😉

    Nunca havia associado Henry Crawford com Valmont. Agora entendo o motivo da fascinação que sentia por ele. 😉

    O post está maravilhoso.

    Beijos!

  2. É possível, como é possível que essa trama Henry-Fanny em “Mansfield Park” seja uma resposta de Jane Austen às Ligações Perigosas – a caça sobrepujando-se ao caçador.

    E o blog do Olg Fogey é o que há! Adoro as análises que ele faz.

  3. Não lembro direito de suas aparições nos anos 80, mas posso afirmar que John Malkovich entrou para minha “galeria” depois desse personagem. Aliás, de “Ligações Perigosas” tenho o DVD pra vida toda e até o bolachão, com a trilha sonora (George Fenton) indicada para o Oscar (o filme acabou levando a estatueta em Roteiro, Direção de Arte e Figurino).

    Tenho até hoje um recorte de uma foto da Marquesa com o Visconde, com balõezinhos jocosos feitos por um colega na época (o Tulio da Carolina do Norte, Raquel).

    “It’s beyond my control”, uma das falas-chave do Visconde, é uma de minhas frases preferidas até hoje.

    O livro? Nunca li… Tem aqui em casa desde que o mundo é mundo – mamãe já leu umas cem vezes -, mas o esquema das cartas me dão uma preguiiiiiça…

  4. Elaine
    Sobre Jane ter lido Ligações é apenas especulação minha, mas é uma possibilidade, não é mesmo?
    Eu também gosto muito das análises do Old Fogey e no caso dos Crawford eu concordo com eles pois também sou fã dos irmãos. Eles são a vida de Mansfield!

  5. Leticia,

    beyond your control, indeed!

    PS: Controle-se pois Marie Tourvel afirma que não pode viver sem ele e não quero brigas quando formos tomar café!

  6. Raquel – A good point. Yes, there is connection between Austen’s cads and the libertines that Valmont represents in Les Liaisons Dangereuses. But Henry, and Willoughby and Walter Elliott are all not very dangerous English libertines – much less vicious and cynical than Valmont, who is French and therefore much more evil!

    Actually you do see more of the cynical libertine in England twenty years or so before Jane Austen – in ‘Tom Jones’ for example.
    Regards
    OF

  7. Hummm, senti uma certa implicância com os franceses…

    Vamos combinar sim, meninas. Combinem com Malkovich e me comuniquem a decisão. Qualquer hora, qualquer dia, já que estou aqui trabalhando direto, e tantufas o horário. Menos segunda próxima à tarde, tá? De resto…

  8. Mansfield park foi o ultimo livro da Jane que eu li todo recentemente, pq eu vivo lendo alguns trechos de S&S, e devo dizer que eu gostava bastante do henry Crawford, ele era vaidoso e tal mais parecia que gostava da fanny, talvez as motivações dele foram futeis mais no fim os sentimentos verdadeiros, e se não tivesse fugido com a Maria talvez ambos tivessem um futuro juntos, confesso que fiquei com raiva do Edmund boa parte da leitura, ele enaltecia muito as qualidades da Miss Crawford, eu ficava com uma peninha da Fanny.
    “Quero só que ela me olhe com mais simpatia, que me sorria e core, que guarde uma cadeira ao lado dela para mim e que se alegre se eu me sentar nessa cadeira e lhe falar; que pense como eu penso, ”
    acho essa parte tao bonitinha, porque hoje em dia não se dá atenção a esses detalhes tão sutis.
    Ah nunca li ligações perigosas =/

  9. Raquel,
    Esse seu post só aumentou minha curiosidade. Eu gosto muititssimo de ler, mas nunca li os livros da Jane, mesmo sabendo muito sobre ela.
    Eu queria muito ler esse livro, mas não achei tradução.
    Existe?
    Tem como você me indicar?
    Me ajuda 🙂

    Obrigada =****

  10. Joyce,
    seja bem-vinda ao Jane Austen em português!
    Mansfield Park em português é difícil de achar, mesmo em sebos.
    Leia o post para editora L&PM (link nos destaques na sidebar) e quem sabe em breve teremos todos os livros de Jane traduzidos?? Eu estou torcendo!

  11. Oi Raquel!

    Ai que nojo, esse Henry Crawford! Eu assisti apenas algumas partes do filme no YouTube e achei ele um conquistador barato. Mesmo assim tenho vontade de ler Mansfield Park. Será meu próximo livro depois de Persuasão.

    Abracinhos da Pri 🙂

  12. Pri,
    leia o livro e você perceberá detalhes impossíveis de serem filmados. Um canalha verdadeiro é quase sempre charmoso, só nos damos conta depois do estrago feito!

  13. Oi Raquel!

    Hoje assisti o filme Mansfield Park, de 2007, e não gostei. Eu prefiro a primeira versão de 1999. Detalhe: o Heny Crawford dessa nova versão é pior que o primeiro, ui… Outra coisa: não sei se você já assistiu o filme A Duquesa (com a Keira Knightley), mas atriz que fez o papel de amante do duque de Devonshire, a “Bess”, é a mesma atriz que fez o papel da Mary Crawford e sabe que até que ela convenceu bem… Tem uma cena, em que ela e o irmão estão chegando na propriedade de Mansfield Park e o Henry pergunta à sua irmã: “E bem, minha querida travessa, qual é a sua estratégia? (E Mary responde):
    Que disse?! Nada de estratégias. Apenas usaremos nossos encantos naturais.” Aí que terríveis esses dois… Hehehe! Então é isso, desabafei 🙂 E vc Raquel, já assistiu essa versão de 2007? O que achou?

    Abracinhos da Pri

  14. O livro “as ligações perigosas” esta entre meus livros favoritos, e gosto muito da adaptação com a Glenn Close. E é muito provável
    que a Austen tenha lido esse livro, já que se trata de um livro que ficou muito popular por ser polêmico, e isso acaba atraindo a curiosidade de algum leitor.

    1. Fernanda,

      é bem provável mas se Jane leu, aparentemente, não deixou pistas nos livros. Fica tudo por conta de nossa imaginação…

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