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Primeiras e segundas impressões sobre Emma
por Rebeca Miscow*

No segundo ciclo do Chá com Jane Austen*, em que intercalamos as obras da nossa digníssima escritora com obras de outros escritores, eu ia ficar só com os livros destes. Mas abri exceção para Emma, pois, no primeiro ciclo, o havia lido em inglês e achei que minha leitura ficou um pouco prejudicada. Adianto que essa segunda leitura foi interessantíssima. Primeiro porque, na primeira vez, achei tudo muito fútil; e Emma, uma chatinha. Foram as minhas first impressions, tão comentadas pela digníssima Miss Austen. Segundo porque, na segunda vez, li Emma depois de ter lido O morro dos ventos uivantes. E como vocês podem ver pelos meus comentários no Desanuviando, este foi um livro angustiante, que me enervou com os seus personagens loucos, grosseiros e sem nenhuma compostura. Ou seja, precisava desesperadamente respirar os ares educados de Jane Austen. Podia até conviver com gente fútil, desde que essa gente fútil, pelo amor de Deus!, não fosse tão demoníaca como os personagens de Emily Brönte. (Porque gente ruim e grossa ao mesmo tempo não dá!)

Então, caros leitores, Emma foi esse fresh air que veio me serenar. E nessa segunda leitura, passei a admirar Emma. Ela é meio mimada, é bem verdade, mas é uma pessoa pronta a se arrepender e pronta a ajudar os outros. Vive errando, mas vive se redimindo. Um exemplo para os personagens de O morro dos ventos uivantes. Pronto! foi o suficiente para fazer as pazes com Emma. Depois de minhas (errôneas) primeiras impressões, e com a ajuda de Cathy, Heathcliff e companhia, vi em Emma uma personagem que gostaria de ter como amiga. Alguém com quem me sentiria bem em fofocar um pouquinho. Porque algumas das fofocas que ela faz, eu faria. E os comentários que ela tece são tão bem construídos e tão minuciosamente observados, que dá gosto de ouvir. Exemplo: com relação à Sra. Elton, o tipo de personalidade que me incomodaria, vejam o que Emma pensou:

[…] pôde então calmamente analisá-la; e um quarto de hora de conversa convenceu-a de que a sra. Elton era uma mulher fútil, extremamente satisfeita consigo mesma e altamente convencida de sua importância; que pretendia brilhar e mostrar-se muito superior; mas com maneiras que tinham sido formadas em escola sem categoria; atrevida e confiada; que todas as suas opiniões provinham de um mesmo grupo de pessoas e de um mesmo estilo de vida; que, se não era tola, era pelo menos ignorante […]

Delícia de crítica, não é mesmo? Ainda mais se você, assim como Emma, acha a sra. Elton uma chata-de-galocha, intrometida e palpiteira. Arre! Outra coisa que me chamou a atenção, mais na segunda leitura que na primeira, é como Emma precisa da opinião do sr. Knightley. Também pudera: ele é um homem de caráter excepcional. Jane Austen teve a proeza de descrever homens exemplares. E este sr. Knightley é uma amostra disso: constante, amadurecido, observador, do tipo que não costuma errar quanto ao caráter dos outros, firme, correto, justo e bom. Quer mais? Pois é cavalheiro e fino. Seus comentários são ótimos, verdadeiras lições, por isso reservei alguns para compartilhar com vocês:

– Há uma coisa, Emma, que um homem sempre pode fazer se assim quiser, que é cumprir o seu dever; não através de subterfúgios ou meandros, mas com vigor e decisão. O dever de Frank Churchill é dar atenção ao pai. Ele reconhece isto através de suas mensagens e promessas; mas se quisesse cumpri-las, já o teria feito. Um homem de retos sentimentos já teria dito, simples e diretamente, à sra. Churchill, “Estou disposto a sacrificar quaisquer prazeres pessoais para me colocar à sua disposição, mas devo ir visitar meu pai imediatamente. Sei que ele sentiria muito se eu não fosse e lhe desse essa prova de respeito em tal ocasião. Tenho, pois, que partir amanhã!”. Se ele falasse assim a ela de chofre num tom decidido compatível com sua hombridade, não haveria nenhuma oposição colocada à sua vinda. (…) e a declaração, feita naturalmente como uma pessoa sensata a faria, de maneira apropriada, lhe traria um bem maior, erguê-lo-ia ainda mais alto, tornaria mais forte o seu interesse para aqueles de quem depende, do que toda uma fieira de embustes e espertezas pode conseguir. O respeito seria acrescentado à afeição. Sentiriam poder confiar nele; que o filho que procedia bem para com o pai haveria de proceder assim também com eles; pois sabem tão bem quanto ele, tão bem quanto todos devem saber, que um filho tem obrigação de visitar o pai; e enquanto exerciam seu mesquinho poder de entravá-lo, em seus corações não vão achá-lo melhor por se haver submetido aos seus caprichos. Todos sentem respeito pela conduta correta se ele agir dessa maneira tomando-a como princípios, de modo consistente e regular, a mente mesquinha de seus tios irá se curvar à sua.

E, em outra parte do livro

Ele [Frank Churchill] é um homem de muita sorte – retornou o sr. Knightley, com vigor. – Tão cedo na vida – vinte e três anos – um período em que, se o homem escolhe uma esposa, em geral escolhe mal. E aos vinte e três anos ter ganho tal prêmio! Quantos anos de felicidade esse homem, em todos os cálculos humanos, terá à sua frente! Seguro do amor de tal mulher – o amor desinteressado -, pois o caráter de Jane Fairfax é uma garantia de seu desinteresse; tudo estará a seu favor – igualdade de situação, quero dizer, quanto ao que respeita à sociedade, e todos os hábitos e maneiras que são importantes; igualdade em todos os pontos, exceto em um – e esse, já que a pureza de seu coração não pode ser posta em dúvida, aumenta ainda mais a felicidade dele, pois será ele a utilizar das únicas vantagens que ela quer. Um homem sempre deseja dar à mulher uma casa melhor do que aquela de onde a tira; e aquele que pode fazer isto, quando não tem dúvida quanto à honestidade de seu afeto, deve ser, segundo suponho, o mais feliz dos mortais. Frank Churchill é, sem dúvida, o filho dileto da fortuna. Tudo acaba resultando em seu favor. Encontrar uma jovem numa estação de águas, ganha o seu afeto, não consegue nem mesmo abatê-la com seu negligente tratamento – andasse ele e toda a sua família ao redor do mundo em busca de uma esposa perfeita para ele, e não teriam encontrado ninguém superior. A tia dele se opõe. Logo a tia morre. Agora tudo está a seu favor. Seus amigos estão ansiosos de promover sua felicidade. Usou todos mal – e todos estão muito contentes de perdoá-lo. É um homem de sorte, não há dúvida!**

Posso afirmar que, nessa segunda leitura, fiquei como Emma: admirando o sr. Knightley.

Mas, queridos leitores, encerro meu comentário final sobre Emma dizendo que essas foram minhas “segundas impressões” sobre o livro. O que me mostrou, mais uma vez, que Jane Austen tem razão quando nos alerta para o perigo de nos enganarmos nas ‘primeiras impressões’. Não somente porque podemos estar errados em nossas observações, mas também porque, assim como a personagem Emma que amadurece durante o romance, tudo pode melhorar com o tempo.

Ah! Mas uma certeza continuo tendo, depois de ler Jane Austen mais uma vez: as pessoas (e as mulheres, em especial,) deveriam ver menos tele-novelas e ler mais Jane Austen.

Já imaginaram como seria? Eu só vislumbro boas mudanças.

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3 comentários

  1. Concordo que minhas primeiras impressões de Emma não foram as melhores. Achei-a mimada e chata… Tenho que admitir que também não gostei muito do pai dela, achei-o engraçado por alguns momentos, mas…
    Depois de ler o livro pela terceira vez consegui ver que Emma era o que a sociedade fez com que ela fosse. É difícil expressar uma opnião sobre ela, mas acho que poderiamos esperar que Emma fosse como Eliza Bennet ou como Fanny, afinal elas viveram em lugares completamente diferente, receberam criações opostas e, consequentemente, tornaram-se pessoas diferentes. E foi com essa ideia que consegui encontrar pontos maravilhosos na personalidade de Emma W., e como sempre Jane Austen permanece no topo de minha lista de melhores escritores de todos os tempos. Não adianta, quando mais eu leio os seus romances mais me apaixono por eles, é simplesmente inevitável!

    Adorei o post! Amo ler o que as pessoas acham de Emma, adoro as mais diversas opniões…

    P.S.: Entrei nesse “Chá com Jane Austen” mais não sei como fazer minha inscrição. Você poderia me falar como posso fazer isso?

    1. Kaharine,

      Emma sempre desperta paixões!

      Sobre sua inscrição no Chá, falarei com Rebeca para ver o que acontece.

  2. Rebeca Miscow, Gostaria de parabenizá-la pelo seu comentário sobre Emma, o único livro de Jane Austen que já li, embora tenha assistido a três filmes baseados em alguns de seus outros livros – Orgulho e Preconceito, Razão e Sensibilidade, Amor e Inocência. Um fato impressiona em Jane Austen: Como há 200 anos alguém vivendo no interior da Inglaterra, em um meio quase rural, podia escrever de forma tão extraordinária? Como pôde ela descrever tão ricamente os comportamentos, as atitudes, os valores de então; como pôde consttuir histórias tão coerentes, tão compatíveis com a realidade e o ambiente da época? É claro que alguns daqueles costumes estão em conflito com o que hoje se chama ‘politicamente correto’, como por exemplo aquela distinção entre classes sociais, mas isto não invalida nem um pouco a grandeza de sua obra. Além da qualidade literária, seus livros oferecem uma radiografia da sociedade inglesa.
    Rebeca, mais uma vez cumprimento-a pelas felizes observações sobre o livro.
    Abraços, Assis Utsch (autor de O Garoto Que Queria Ser Deus)

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