Sophia Sentiment ou Jane Austen? Quem seria a leitora que escreveu para o periódico The Loiterer reclamando da falta de artigos para o divertimento das mulheres e sugerindo que tivessem colaboradores de ambos os sexos?
The Loiterer era um periódico semanal de cunho humorístico sobre assuntos universitários fundado por James e Henry Austen, irmãos de Jane Austen, quando estudavam em Oxford. A publicação teve sessenta edições, de janeiro de 1789 a março de 1790 e a carta assinada por Sophia Sentiment foi publicada na edição número nove.
The loiterer que dizer “o vagabundo” no sentido de pessoas que ficam andando sem grandes propósitos ou como dizem os franceses, le flâneur.
Alguns estudiosos acham que Jane Austen, na época com 13 anos, é a autora da carta assinada pelo pseudônimo de ‘Sophia Sentiment’; outros acreditam que foi escrita pelos irmão de Jane.
Vamos à carta para que possamos formar uma opinião.
Ao AUTOR do LOITERER.
Senhor,
Escrevo esta para informá-lo de que você está muito aquém de minhas boas graças e que, se não melhorar seus modos, em breve eu o cortarei do meu círculo de conhecidos. Você deve saber, Senhor, que sou uma grande leitora, isto para não mencionar algumas centenas de volumes de Romances e Peças, que li nos últimos dois verões, eu realmente li todos os divertidos artigos de nossos mais célebres escritores de periódicos, do Tatler, do Spectator ao Microcosm e do Olla Podrida¹. Naturalmente adoro um trabalho jornalístico acima de qualquer coisa, especialmente aqueles em que se encontram muitas histórias e onde os artigos não são muito longos. Asseguro-lhe que meu coração bateu com alegria quando ouvi falar pela primeira vez de sua publicação e imediatamente mandei buscar e desde então a tenho recebido.
Lamento no entanto dizer, Senhor, mas realmente acho que é o trabalho mais estúpido do tipo que jamais vi: não que alguns dos artigos não sejam bem escritos; mas seus assuntos são tão mal escolhidos que nunca interessam a ninguém. – Só de imaginar que em oito jornais, não há nenhuma história sentimental sobre amor e honra, e tudo mais sobre desse gênero. Nenhum Conto Oriental cheio de Bashas² e Eremitas, Pirâmides e Mesquitas, nada. Nem mesmo uma alegoria ou um sonho apareceu ainda no Loiterer. Ora, meu caro senhor, você acha que nos importamos como os homens de Oxford gastam seu tempo e dinheiro, nós, que temos o suficiente para gastar do nosso? De minha parte, eu nunca, exceto uma vez em minha vida, estive em Oxford e tenho certeza de que nunca mais desejo ir lá novamente – Eles me arrastaram por tantas capelas sombrias, bibliotecas empoeiradas e salões engordurados, que fiquei deprimida por mais de dois dias. Quanto ao seu último artigo, de fato a história era boa o suficiente, mas não havia amor e nenhuma dama nele, pelo menos nenhuma jovem; e me pergunto como você pode ser culpado de tal omissão, especialmente quando poderia ter sido evitada tão facilmente. Em vez de se retirar para Yorkshire, ele poderia ter fugido para a França, e lá, você sabe, poderia tê-lo feito se apaixonar por uma camponesa francesa que poderia, por sua vez, ter se tornado uma excelente pessoa. Ou você poderia deixá-lo incendiar um convento e raptar uma freira, a quem ele poderia depois ter convertido, ou qualquer coisa desse tipo, apenas para criar um pouco de confusão e tornar a história mais interessante.
Em suma, você nunca dedicou nenhuma linha para o divertimento de nosso sexo e não prestou mais atenção em nós do que se pensasse, como os turcos, que não tínhamos alma. De tudo isso concluo que, você não é nem mais nem menos do que um velho Colega de Faculdade, que nunca viu nada do mundo além dos limites da universidade e nunca conversou com uma mulher, exceto sua camareira e lavadeira. Portanto, dou este conselho, o qual você seguirá de modo a valorizar nosso auxílio, ou sua própria reputação. Não nos deixe ouvir mais nada de seus Diários de Oxford, de seus Homelys e Cockney³: mas mande-os cuidar de seus próprios negócios e consiga um novo grupo de correspondentes, entre jovens de ambos os sexos, mas particularmente o nosso; e deixe-nos ver algumas histórias agradáveis e comoventes, relatando os infortúnios de dois amantes, que morreram repentinamente, no exato momento em que iam à igreja. Deixe o amante ser morto em um duelo, ou perdido no mar, ou você pode fazê-lo atirar em si mesmo, como quiser; e quanto à sua amante, é claro, enlouquecerá; ou se preferir, pode matar a dama e deixar o amante enlouquecer; lembre-se apenas, faça o que fizer, seu herói e sua heroína devem possuir muito sentimento e ter nomes muito bonitos. Se você pensa estar apto a cumprir esta minha determinação, pode esperar notícias minhas novamente, e talvez eu até lhe dê uma pequena ajuda: – mas, se não – que o seu trabalho seja condenado à pastelaria, e que você continue solteiro para sempre e seja atormentado por uma irmã solteirona para cuidar de sua casa.
Vossa, conforme você se comporte,
SOFIA SENTIMENT (tradução minha, Raquel Sallaberry)
Minha opinião, talvez misturada com vontade que seja verdadeira: se Jane não escreveu em sua totalidade a carta certamente teve uma grande participação.
Qual a opinião de vocês?
¹ Tatler, Spectator, Microcosm e Olla Podrida, referência à jornais antigos ou da época
² Bashas – cabanas feitas de paredes de bambu rebocadas de barro e telhados de palha. [Merriam Webster: an Assamese hut typically made of bamboo and grass.]
³ Homelys e Cockney: leitores do The Loiterer.
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