Mais um plágio de uma tradução de Jane Austen. Desta vez o nosso amado Orgulho e preconceito pela notória Martin Claret.

jane austen , a encantadora dama das letras inglesas, parece encantar também em português. além do sequestro sofrido às mãos da landmark, em persuasão, ela foi alvo de outro atentado em orgulho e preconceito, às mãos do nefário claret.
a rapinagem foi feita em cima da tradução de maria francisca ferreira de lima, na edição da europa-américa. sofreu leves alterações, sobretudo nos primeiros parágrafos, e saiu atribuída a “jean melville”.
Em “liz bennet kidnapped” | Não Gosto de Plágio | 19/03/2009

Plágio é crime*. E na minha opinião um crime duplo: roubo de autoria do escritor ou do tradutor e também roubo de informação do leitor. Já falei sobre plágio no post “A palavra é… A palavra deveria ser…“.  Aproveito então a oportunidade para uma mini-entrevista, há muito planejada e sempre adiada, com Denise Bottmann, tradutora, historiadora e autora do blogue Não Gosto de Plágio.

Jane Austen em Português Denise, o que é plágio? Há mais de um tipo de plágio?

Denise Bottmann Todo ser humano é dotado de direitos pessoais invioláveis, entre eles o direito à vida, ao próprio corpo e a seu nome. Todo ser humano é dotado da capacidade de criar alguma coisa. Essa obra, fruto de seu trabalho, carrega a identidade pessoal de seu criador, expressa em seu nome. Quando alguém toma uma obra de outrem e se apresenta como seu autor, está ferindo um dos direitos básicos do ser humano, o direito a seu nome. Se o assassinato é o principal crime contra o direito pessoal à vida, entendo o plágio como o principal crime contra o direito pessoal ao nome. Não é um simples roubo, é uma subtração da existência do autor, simbolizada pelo nome, na obra por ele criada. Neste sentido, o plágio é um assassinato. Não creio que exista meio-plágio: creio que a caracterização do tipo é única e absoluta. Ou há, ou não há.
O que pode ocorrer é que uma determinada obra seja apenas parcialmente plagiada, ou que haja a tentativa de disfarçar esse plágio. As formas podem variar, mas o crime é o mesmo: o atentado a um direito essencial do ser humano.

JAP Como é feita a verificação dos livros plagiados?

DB É bastante fácil constatar se há plágio, mas não sei explicar em termos técnicos. Se você ouve uma música e a identifica como A, composta por B; se depois você ouve a mesma música ou trechos muito semelhantes a ela, mas identificados como X, mas de composição atribuída a Y, você pode concluir que se trata de um plágio. A questão não é a semelhança, a questão é a atribuição da autoria.
Hoje em dia existe um ramo de estudos e pesquisas bastante desenvolvido, chamado forensic linguistics, justamente dedicado às técnicas de estabelecer os graus de plagiato. Existem também vários programas de computador para detetar o índice de repetibilidade dos mesmos termos entre dois textos diferentes.
No caso desses livros que venho cotejando, trata-se de plágios muito simples: cópias literais ou semiliterais, que não demandam expertise nenhuma. Basta olhar e ver.

JAP Há mais traduções de Jane Austen plagiadas no Brasil, além de Persuasão e Orgulho e preconceito?

DB Atualmente tenho notícia de plágios das traduções de Jane Austen apenas nos casos da Landmark (Persuasão) e da Martin Claret (Orgulho e preconceito). Tomara que sejam os únicos!

JAP O que está sendo feito e o que é possível fazer para nos livrar dos plágios?

DB A primeira e principal medida para reduzir a quantidade de plágios no Brasil, a meu ver, é uma reformulação da Lei dos Direitos Autorais 9.610/98. Deve-se contemplar a sugestão feita por um grupo de estudos da FGV: obras esgotadas há mais de 3 anos, sem reedição, devem ser liberadas da reserva patrimonial da editora que detém seus direitos de publicação. Com isso elas podem voltar a ser livremente impressas, respeitando-se devidamente o direito moral de seu autor/tradutor. Assim os leitores terão acesso normal a elas e à informação sobre seus verdadeiros autores/tradutores.
Enquanto não há essa reformulação ou uma flexibilização da lei, impedindo que as obras criem mofo no fundo dos baús das editoras, o que resta a nós é denunciar, reclamar, entrar com petições e representações contra as editoras criminosas, e não compactuar de maneira alguma, a pretexto algum, com tais fraudes.

Muito obrigada, Denise!

Views: 766

Artigos recomendados

6 comentários

  1. Raquel,

    Parabéns pela entrevista. O trabalho da Denise Bottmann é muito importante porque o nosso mercado editorial está cheio de plágios. Aquele velho adágio segundo o qual o barato ás vezes sai caro é muito apropriado para descrever o que essa editora das capas coloridas faz.
    Eu, que tenho dificuldade para ler em outros idiomas, mas mesmo assim gosto dos grandes autores estrangeiros, mesmo que traduzidos,frequento sempre o blog da Denise para saber o que não devo comprar.
    O problema não está em ler livros traduzidos. O problema está nos picaretas que se aproveitam da boa fé alheia para violar as leis.

    1. Carlos, obrigada.
      O trabalho da Denise é de utilidade pública – na melhor acepção do termo.

  2. sobre o estudo da fgv:
    http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/09/estudo_fgv_minc_final_jun_2008.pdf
    14. Inclusão de dispositivo legal permitindo uma cópia integral de qualquer obra, desde
    que com o propósito de incorporação da obra ao acervo de arquivo, biblioteca,
    museu, entidade sem fins lucrativos e entidade educacional, depois de transcorrido
    certo prazo de tempo – tal como 3 ou 5 anos – em que a obra se encontre com edição
    comercial esgotada, sem haver necessidade de remunerar o autor e/ou titular da obra;

    1. Denise,

      essa inclusão seria corretíssima! Se as editoras não acham viável uma publicação como por exemplo Mansfield Park, que deixassem as bibliotecas públicas copiar! A tradução de Rachel de Queiróz de Mansfield Park tem mais de vinte anos!

Comentários estão encerrado.