No post “Ainda bem que Jane Austen não é romântica“, a Mayara perguntou qual soneto de Shakespeare Willoughby lia para Marianne na versão 1995 de Razão e sensibilidade. A cena, muito bem escrita por Emma Thompson, é a seguinte:

Willoughby visita Marianne depois de “salvá-la”. Convidado a sentar-se percebe um livro de sonetos de Shakespeare na banqueta. Pergunta quem está lendo e quer saber qual o favorito das senhoras. Marianne diz que o dela é o “116”. Ele aproveita a deixa e começa a recitar, com Marianne fazendo coro logo a seguir. Quando ele troca a palavra “tempests” por “storms” (na minha opinião, de modo intencional) Marianne finge uma dúvida (ela sabe que a palavra certa é “tempests”) e ele, num golpe de mestre, tira do bolso uma miniatura com os sonetos, dizendo que os carrega sempre! No final ele presenteia Marianne com o pequeno livrinho.

Quantas vezes o rapazinho não terá encenado esta performance, hein? Acredito que na época as mocinhas deveriam saber de cor os sonetos mais românticos, assim como as meninas de hoje sabem letras de música!

Transcrevo abaixo o soneto “116” em inglês; e em português (do meu exemplar)

Let me not to the marriage of true minds
Admit impediments. Love is not love
Which alters when it alteration finds,
Or bends with the remover to remove:
O no! it is an ever-fixed mark
That looks on tempests and is never shaken;
It is the star to every wandering bark,
Whose worth’s unknown, although his height be taken.
Love’s not Time’s fool, though rosy lips and cheeks
Within his bending sickle’s compass come:
Love alters not with his brief hours and weeks,
But bears it out even to the edge of doom.
——If this be error and upon me proved,
——I never writ, nor no man ever loved.

Não haja impedimento à união
de almas fiéis; amor não é amor
se se altera ao ver alteração
ou curvar a qualquer pôr e dispor.
Ah, não, é um padrão sempre constante
que enfrenta as tempestades com bravura;
é estrela a qualquer barco navegante,
de ignoto poder, mas dada altura.
Do Tempo, o amor não é bufão, na esfera
da foice cuva em bocas, róseos rostos;
com breve hora ou semana nãos e altera
e até ao julgamento fica a postos.
——E se isto é erro e em mim a prova tem,
——nunca escrevi e nunca amou ninguém.

No livro esse encontro está no capítulo X, onde ficamos sabendo que Marianne e Willoughby conversaram demais sobre literatura e poesia e falaram sobre Cowper, Scott e Pope.

“Well, Marianne,” said Elinor, as soon as he had left them, “for one morning I think you have done pretty well. You have already ascertained Mr. Willoughby’s opinion in almost every matter of importance. You know what he thinks of Cowper and Scott; you are certain of his estimating their beauties as he ought, and you have received every assurance of his admiring Pope no more than is proper. […]”

Shakespeare é citado apenas uma vez no capítulo XVI –, quando a senhora Dashwood lamenta não terem terminado a leitura de Hamlet devido à súbita partida Willoughby,

“We have never finished Hamlet, Marianne; our dear Willoughby went away before we could get through it.

Fica prometido um post – sem data marcada – com as referências a Shakespeare nos outros livros de Jane Austen.

Esta página com o soneto “116” é de 1609. O inglês está do jeitinho que Shakespeare escreveu e vejam só como o “diagramador” da época se enganou: inverteu o número 6 colocando como 9! Créditos: The Sonnets, Quarto 1 (1609) | London: Thomas Thorpe, 1609 | Internet Shakespeare Edition

  • os versos em inglês são do ótimo site Open Source Shakespeare do americano Eric M. Johnson.
  • Editora Landmark, 2005, William Shakespeare, Os sonetos completos, com tradução, apresentação e notas do poeta, escritor e tradutor português Vasco Graça Moura. Leia mais na Wikipedia-PT.
  • William Cowper (1731-1800), poeta inglês, naturalista.
  • Alexander Pope (1688-1744), poeta inglês, satirista.
  • Sir Walter Scott (1771-1832), escritor e poeta escocês.

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8 comentários

  1. Definitivamente um dos melhores blogs que já visitei na vida! Um brinde ao seu delicado trabalho de pesquisa e sensibilidade ao retratar a obra de Jane Austen!

    Que 2009 seja um excelente ano pra vc!

    Bjs!

  2. Poetriz,
    muito obrigada e seja bem-vinda ao Jane Austen em português!

  3. Longe, muito longe do ambiente campestre, sadio e rosado das moçoilas persistentes em decorar sonetos, e dos rapazes hábeis na conquista de moçoilas persistentes etc., etc., estava lá, o tipógrafo, se intoxicando com chumbo, num ambiente escuro e úmido, do raiar ao pôr-do-sol, sem férias, FGTS, vale-refeição, festinha de final de ano ou revisão posterior que lhe valesse.
    Portanto, palmas a quem compôs tal página, já tarde da noite, sem luz, com os olhos cheios de areia, cansado, com fome e com frio. Ele deu o seu melhor e merece nossa admiração e o carinho com que Raquel descobriu a inversão.

  4. Raquel adorei o post! Confesso que Master Shakespeare foi minha primeira paixão na literartura Inglesa! Afinal de contas, no curso de Letras começavamos a estudar as literaturas Inglesa e Americana por ordem crescente, então O Shakespeare veio antes de Jane. Eu tive uma professora excelente que só pesquisa a Obra de Shakespeare e suas adaptações para cinema, tv e teatro: Thaïs Flores Diniz! E por acaso, foi ela quem me apresentou Emma!

    Sabe uma coisa que eu fico muito curiosa? Saber o que tem no livro Mistérios de Udolfo que tanto se fala em Northanger Abbey!

  5. Obrigada raquel pelo esclarecimento quanto ao soneto lido por Willoughby. É por essa e por outras que eu não deixo de visitar sua pagina na internet!

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