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Entrevista (na íntegra) concedida a jornalista Lays Sayon Saade em agosto de 2010 para Revista Platero da Livraria Martins Fontes para um artigo sobre Jane Austen, “A escritora inglesa que cativou o mundo”.

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ENTREVISTA

Revista Platero: Como você definiria a literatura e o estilo de Jane Austen?

Raquel Sallaberry Brião: Jane Austen é única e praticamente não se enquadra nos estilos literários de sua época, o neoclasssismo e préromantismo, como bem a definiu Otto Maria Carpeaux* ao falar sobre a arte novelística desse período: “Jane Austen é libertada do seu isolamento histórico; continua, porém, isolada em função de seu gênio; não se pretenderá transformar o fenômeno individual em movimento literário, por meio de aproximações artificiais.”

RP: Que livros dela você destacaria e qual o maior encanto desses romances?

RSB: Difícil destacar um pois gosto de todos os livros de Jane Austen. Reconheço, porém, que Orgulho e preconceito é o mais lido e admirado. A própria Jane o considerava seu “filho amado”. Nele encontramos personagens adoráveis e atuais como Elizabeth Bennet, a heroína inteligente e respeitadora das normas, mas não dominada por elas; Mr. Darcy um herói um pouco arrogante, como devem ser os heróis; o senhor Bennet e sua fina ironia; e meu personagem preferido, o obsequioso clérigo Mr. Collins, dono absoluto de minhas risadas. Outro livro pouco mencionado mas muito engraçado é aAbadia de Northanger, em que a autora satiriza os livros góticos e os romances de modo geral, e que tem o mais alegre de seus heróis, Mr. Tilney. Persuasão, o último livro que completou, tem o encanto da maturidade.

As observações mordazes sobre os sentimentos humanos:

“[Os Musgroves] tiveram a triste sina de ter um filho incorrigível, e a sorte de perdê-lo antes de chegar aos vinte anos.[…] Raramente se ouvia falar dele e pouco lamentaram quando, dois anos antes chegara a Uppercross a notícia de sua morte no exterior.” (trad. Luiza Lobo)

E a ternura de um romance maduro e creio eu a mais linda carta de amor que Jane escreveu:

“Não posso mais ouvir em silêncio. Preciso falar com você pelos os meios de que disponho neste momento. Você fendeu minha alma. Sou metade agonia, metade esperança. Não me diga que é tarde demais, que sentimentos tão preciosos foram-se para sempre. Ofereço-me para você de novo com um coração muito mais seu do que quando você quase o despedaçou há oito anos e meio atrás.  Não se atreva a dizer que o homem esquece mais rápido do que a mulher, que seu amor morre mais cedo. Eu tenho amado somente você, mais ninguém. Injusto posso ter sido, fraco e ressentido também, mas nunca inconstante. Você, apenas você trouxe-me para Bath. Faço planos pensando somente em você. Você não ainda percebeu? Terá você falhado em entender meus desejos? Eu não teria esperado nem estes dez dias se tivesse podido ler seus sentimentos como eu penso que você penetrou nos meus. Quase não posso escrever. A todo instante ouço alguma coisa que me atordoa. Você abaixa sua voz, mas eu posso distinguir seus tons mesmo quando perdidos em meio aos outros. Boníssima e excelente criatura! Você nos faz justiça, deveras. Você crê que há afeto verdadeiro e constância entre os homens. Creia “nisto” mais fervoroso e constante em
F. W.
Devo partir – incerto de minha sorte –, mas voltarei aqui ou irei para sua festa, assim que possível. Uma palavra, um olhar, será o suficiente para que eu decida entrar na casa de seu pai esta noite, ou nunca.” (trad. minha)
* Seus livros são um retrato da sociedade daquela época? Quais os romances em que isso é mais evidente, pode citar alguma passagem ilustrativa?
Os livros de Jane Austen são o retrato de sua época dentro de seu mundo, as gentry, uma espécie de classe média alta, raramente ricos, mas com posses para uma vida respeitável e principalmente conscientes de sua importância política e cultural.

Um exemplo, em Orgulho e preconceito, a discussão entre Lady Catharine de Bourgh e Elizabeth Bennet sobre o provável noivado da primeira com o sobrinho da segunda,

” — […] Minha filha e meu sobrinho são feitos um para o outro. Descendem os dois pelo lado materno, da mesma linhagem nobre; e ele do paterno, de famílias respeitáveis, honradas e antigas, embora sem títulos. Sua fortuna, de ambos os lados, é esplêndida. Estão destinados um ao outro pela voz de todos os membros das respectivas casas;  e o que há entre eles? As presunçosas pretensões de uma jovem sem família sem relações e sem fortuna. Pode ser algo assim tolerado? Para o seu próprio bem, não deveria desejar deixar a classe na qual foi criada.
— Casando-me com o seu sobrinho, eu não me consideraria deixando essa classe. Ele é um cavalheiro; eu sou a filha de um cavalheiro; assim sendo, somos iguais.” (trad. Celina Portocarrero)

RP: Quais as críticas mais apuradas que ela faz aos costumes e aos valores da sociedade? Pode mencionar alguns exemplos significativos?

RSB: Jane Austen era conservadora e suas críticas são mais sobre as atitudes individuais.
Em Mansfield Park, o seu livro mais severo, os irmãos Crawford são criticados por terem tido uma criação liberal demais; em Razão e sentimento há críticas sobre Mrs.Dashwood, mãe das heroínas, por ser romântica e pouco prática. Em Emma: Mr. Knightley reprova as atitudes de Mr. Frank Churchill:

“Há uma coisa, Emma, que um homem sempre pode fazer se assim quiser, que é cumprir o seu dever; não através de subterfúgios ou meandros, mas com vigor e decisão.” (trad. Ivo Barroso)

RP: Por que ela é tão querida pelos ingleses?

RSB: Os ingleses, talvez por se reconhecerem perfeitamente em seus personagens, percebam mais rapidamente sua técnica, que vai muito além do romance agradável. Tanto que a comparam a Shakespeare.

RP: Em que momento é possível perceber claramente o espírito inglês presente em seus romances?

RSB: Na sátira discreta mas contundente.

RP: O que a consagrou como uma escritora universal? O que a torna tão atual duzentos anos após sua morte, levando seus livros a ganharem seguidas reedições, traduções e versões para o cinema?

RSB: O que a consagrou como escritora universal e a mantém tão atual é a sofisticação – com perspicácia, simplicidade e humor – com que escreveu sobre pessoas reais.

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ARTIGO NA REVISTA PLATERO

 

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7 comentários

    1. Haydée,

      muito obrigada! Estas entrevistas estavam esquecidas no meu outro blog e minha falta de tempo crônica me fez ver que preciso centralizar todos meus textos no Jane Austen em Português.

  1. denise bottmann says:
    August 22, 2010 at 10:01 pm
    muito legal, legal mesmo! que bom que vc a republicou: tenho a maior convicção de que ninguém faz tanto e melhor para divulgar nossa querida austen no brasil.
    com minha constante admiração pelo teu trabalho,
    denise

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