Leitores do Jane Austen em Português, notícia de última hora!
Vocês já podem ler o primeiro capítulo de Sanditon na Folha de São Paulo (online e não precisa ser assinante – vide update abaixo)!
Inéditas no Brasil, as “Novelas Inacabadas”, “Os Watsons” e “Sanditon” ganham tradução de Ivo Barroso, que debaterá as narrativas da autora inglesa com o tradutor e poeta Leonardo Fróes e com Raquel Salaberry, no evento de lançamento, no Rio. O livro chega às livrarias na semana que vem.
“Um cavalheiro e uma senhora, viajando a negócios de Tunbridge para a parte costeira de Sussex entre Hastings e Eastbourne, foram induzidos a abandonar a estrada principal e se aventurar por uma vereda escarpada, e, ao tentarem uma longa subida, meio pedra, meio areia, seu veículo tombou. O acidente ocorreu logo depois de passarem pela única moradia próxima à vereda, casa essa que o condutor da carruagem, ao ser solicitado a prosseguir naquela direção, julgou ser o objetivo final da viagem, e por isso foi com a expressão mais insatisfeita que se viu na obrigação de seguir por ali. Resmungava amiúde e encolhia os ombros, açoitando os cavalos tão duramente que não estaria a salvo das suspeitas de haver feito a carruagem tombar de propósito (especialmente por não ser esta de propriedade de seu amo), caso a estrada não tivesse se tornado indubitavelmente pior do que antes.”
Capítulo completo no Caderno Ilustríssima Online
UPDATE: uma leitora diz que não consegue ler no link (acima) da Folha por não ser assinante. Eu não sou assinante e consigo. Deve ser algum problema temporário e por esse motivo coloco o restante do texto abaixo.
“Assim que as imediações da dita casa ficaram para trás, deu a entender, com a mais agourenta das fisionomias que, além dali, nenhum veículo, a não ser carroças, poderia seguir com segurança. A gravidade da queda foi amenizada por estarem avançando muito devagar e pela estreiteza do caminho; tanto o cavalheiro, que se arrastou para fora, quanto a companheira, que ele ajudou a sair, a princípio não sentiram mais do que arranhões e os abalos da queda. Mas o cavalheiro havia, no ato de se libertar, torcido o tornozelo; e, logo sentindo os efeitos da torção, teve de interromper suas repreensões ao cocheiro ante a satisfação de ver que estavam bem tanto ele quanto a esposa, indo sentar-se à beira da estrada, incapaz que estava de ficar de pé.
– Estou sentindo algo aqui – disse ele, apertando com a mão o calcanhar. – Mas não se preocupe, minha querida – continuou, olhando para ela com um sorriso -, isso não poderia, como sabe, ter ocorrido em lugar mais propício, ainda bem. Era o que de melhor poderíamos desejar. Em breve seremos socorridos. Lá, imagino, está a minha cura – disse, apontando para a nítida silhueta de um chalé que se via romanticamente situado em meio a um bosque numa elevação do terreno a pouca distância dali.
– Aquilo não promete ser o próprio lugar? – A esposa desejou fervorosamente que de fato fosse, mas estava ali parada, atemorizada e ansiosa, sem poder fazer nem sugerir nada, até vislumbrar uma primeira e real ajuda no vulto de várias pessoas que vinham em seu auxílio. O acidente fora percebido a distância desde um campo de feno próximo da casa pela qual haviam passado. E as pessoas que se aproximavam eram um bem-apessoado senhor de meia-idade, robusto e de aspecto cavalheiresco; o proprietário do campo, que por acaso estava entre os segadores no momento; e três ou quatro deles entre os mais hábeis que se prontificaram a seguir o patrão; para não mencionar todo o resto do campo, homens, mulheres e crianças não muito distantes dali. O sr. Heywood, tal era o nome do proprietário, aproximou-se com um cumprimento muito cordial, muito preocupado com o acidente, um tanto surpreso em ver alguém arriscar-se em carruagem por aquela estrada, e de imediato ofereceu seus préstimos. Sua oferta de ajuda foi aceita com afabilidade e gratidão, e, enquanto um ou dois homens prestavam ajuda ao cocheiro para levantar a carruagem, o viajante disse:
– Está sendo extremamente gentil, meu caro senhor, e confio em sua palavra. O ferimento que tenho na perna me parece insignificante. Mas é sempre melhor nestes casos, como bem sabe, ter o parecer de um médico sem perda de tempo; e, como a estrada não parece estar em condições para eu ir ao encontro dele, peço-lhe o favor de mandar um de seus homens buscá-lo.
– Quem, o médico? – perguntou o sr. Heywood. – Temo que o senhor não venha encontrar nenhum médico à mão por aqui, mas devo garantir que poderemos nos arranjar perfeitamente sem ele.
– Desculpe, senhor, mas, se ele não estiver disponível, seu assistente poderá igualmente tratar-me, ou mesmo até melhor. Aliás preferiria que viesse o assistente. Estou certo de que um de seus bons empregados poderá chegar a ele em três minutos. Não preciso dizer que daqui esteja a ver a casa – disse ele olhando em direção ao chalé -, pois, excetuando-se a sua, não passamos nesta região por nenhuma que possa ser a residência de um médico.
O sr. Heywood olhou para ele um tanto espantado.
– O quê, meu caro senhor! Está esperando encontrar um médico naquele chalé? Não temos médico nem assistente em toda a freguesia, asseguro-lhe.
– Peço-lhe desculpas, caro senhor – replicou o outro -, por parecer que esteja a contradizê-lo, mas, considerando o tamanho da freguesia ou alguma outra causa de que o senhor possa não estar ciente, acho que… espere lá… estarei eu enganado quanto ao lugar? Não estou mesmo em Willingden? Aqui não é Willingden?
– É de fato, caro senhor, aqui é certamente Willingden.
– Então, caro senhor, posso lhe dar a prova de que existe um médico nesta freguesia, seja isso do seu conhecimento ou não. Aqui está, caro senhor – disse, tirando do bolso sua agenda -; se fizer o favor de dar uma olhada nestes anúncios, que recortei do Morning Post e da Kentish Gazette ainda ontem mesmo de manhã em Londres, penso que ficará convencido de que não estou falando por falar. Verá que se trata do anúncio da dissolução de uma associação médica “em sua própria freguesia”, “expansão de negócios”, “reputação ilibada”, “ótimas referências”, “desejando estabelecer um consultório independente”. Aqui está o texto completo, caro senhor – disse ao outro, oferecendo dois pequenos recortes oblongos.
– Meu caro, mesmo que o senhor me mostrasse todos os jornais impressos nesta semana em todo o país, não iria me convencer de que existe um médico em Willingden – disse o sr. Heywood com um sorriso bem-humorado. – Moro aqui desde menino há 57 anos e penso que deveria conhecer o tal personagem. Pelo menos posso me arriscar a dizer que essa pessoa não tem tido lá muito trabalho. Na verdade, se os pacientes tiverem que subir esta encosta em berlindas, não será de bom alvitre para um médico ter sua casa no alto da colina. Quanto àquele chalé, posso assegurar-lhe que, na verdade, a despeito de seu ar elegante visto a distância, é tão modesto quanto qualquer outro sobrado da freguesia e que meu caseiro vive num dos extremos e três velhas senhoras no outro.
Ele tomou os recortes enquanto falava e, tendo-os examinado, acrescentou:
– Creio ter agora a explicação. O senhor se enganou foi de lugar. Há duas Willingden nesta região. E estes anúncios devem se referir à outra, que é a Great Willingden, ou Willingden Abbots, que fica a dez quilômetros de distância do outro lado de Battle. Lá bem no meio da mata. E nós, caro senhor – acrescentou um tanto orgulhoso – estamos fora dela.
– Não lá no meio da mata, sem dúvida – replicou o viajante gracejando. – Levamos meia hora só para subir a colina. Bem, é forçoso dizer que o senhor tem razão e que cometi uma tremenda e estúpida mancada. Por questão de um momento. O anúncio só despertou minha atenção na última meia hora em que passamos na cidade; tudo na pressa e na confusão que sempre ocorrem numa curta estadia por lá. A gente nunca consegue concluir nada na linha de negócios, bem sabe, até que a carruagem chegue à porta. Então, satisfazendo-me com uma breve indagação e achando que estávamos de fato a pouco mais de dois ou três quilômetros de uma Willingden, eu não pensei mais nada… Minha cara (para a esposa), lamento muito tê-la metido nesta enrascada. Mas não se alarme em relação à minha perna. Não tenho dores enquanto estou quieto. E, assim que esta boa gente conseguir botar a carruagem de pé e atrelar os cavalos, a melhor coisa que teremos a fazer será voltar pelo mesmo caminho até a bifurcação e seguir de lá para Hailsham, em direção a casa sem esperar mais nada. Em duas horas estaremos lá a partir de Hailsham. E, uma vez lá, teremos o tratamento à mão, bem sabe. A brisa do nosso pequeno braço de mar logo me porá novamente de pé. Pode confiar, minha querida: é um caso para o mar resolver. O ar salino e as imersões farão o resto. Já estou pressentindo tudo isso.
De maneira muito cordial, o sr. Heywood interferiu neste ponto, rogando-lhes que não pensassem em prosseguir antes que o tornozelo fosse examinado e que tomassem algum refresco em sua casa, e instando-lhes cordialmente a que a usassem para ambos os propósitos.
– Sempre temos boa provisão de remédios caseiros para torceduras e arranhões. E garanto-lhes que minha mulher e minhas filhas terão muito prazer em servi-los naquilo que estiver a seu alcance.
Uma ou outra pontada, na tentativa de mover o pé, convenceu o viajante a considerar com mais atenção do que antes os benefícios de uma imediata assistência, e, consultando a esposa em rápidas palavras (- Bem, minha cara, penso que será melhor para nós), voltou-se de novo para o sr. Heywood e disse:
– Antes de aceitarmos sua hospitalidade, caro senhor, e a fim de afastar qualquer impressão desfavorável que esta perseguição absurda em que me encontrou lhe possa ter causado, permita que me apresente. Chamo-me Parker, o sr. Parker de Sanditon; esta senhora, minha esposa, é a sra. Parker. Estávamos vindo de Londres para a nossa casa. Embora eu não seja de modo algum o primeiro da família a ter uma propriedade rural na freguesia de Sanditon, meu nome talvez seja desconhecido a esta distância da costa.
Mas quanto a Sanditon… certamente todos já ouviram falar de Sanditon. O local favorito para uma nova e crescente estação balneária, decerto o lugar favorito entre todos os que se situam na costa de Sussex; o mais favorecido pela natureza e que promete vir a ser o escolhido pela gente…
– Sim, já ouvi falar de Sanditon – replicou o sr. Heywood.
– A cada cinco anos, a gente ouve falar de um novo lugar ou de outro que esteja começando na praia e entrando na moda. Como poderá a metade deles ser povoada é o que me surpreende! Onde encontrar tanta gente com dinheiro e folga para ir a eles! Um mau negócio para a região, certamente os preços dos gêneros irão subir e os pobres sofrerão ainda mais… como talvez o senhor também ache.
– De maneira alguma, meu caro senhor, de maneira alguma – exclamou o sr. Parker impaciente. – Pelo contrário, asseguro-lhe. É a ideia geral, mas um equívoco. Isso pode se aplicar aos lugares desenvolvidos, superpovoados como Brighton ou Worthing ou Eastbourne, mas não a um vilarejo como Sanditon, impedido por suas dimensões de sofrer quaisquer males da civilização; ao passo que o crescimento do lugar, as edificações, as sementeiras, a demanda por tudo e a segura existência das melhores companhias (dessas famílias regulares, sólidas e reservadas dotadas de nobreza e caráter que são uma bênção em qualquer parte) estimulam o trabalho dos pobres e difundem o conforto e o desenvolvimento de toda a sorte entre eles. Não, meu caro senhor, asseguro-lhe que Sanditon não é um lugar…
– Não quis dizer que não haja exceções em algum lugar em particular – respondeu o sr. Heywood -, só penso que a nossa costa está repleta deles. Mas não seria melhor levar o senhor…
– Nossa costa está repleta! – repetiu o sr. Parker. – Talvez nesse ponto não possamos de todo discordar. Pelo menos já há o bastante. Nossa costa já está muito explorada. Não precisa de mais. Atende ao gosto e às finanças de cada um. E essa boa gente que está tentando ampliar o número das estações balneárias, na minha opinião, insiste num exagero e em breve se verá vítima de seus próprios cálculos falaciosos. Um lugar como Sanditon, senhor, posso dizer que foi sonhado, foi exigido. A natureza selecionou-o, indicou-o em caracteres maiúsculos. A brisa mais pura e suave da costa, tida como tal, banhos excelentes, areia fina e firme, águas profundas a dez metros da praia, sem lama, sem ervas, sem pedras escorregadias. Nunca houve um lugar mais claramente projetado pela natureza para ser o balneário de enfermos, o verdadeiro lugar de que milhares de pessoas estavam à procura! À mais conveniente distância de Londres! Um quilômetro e meio mais perto do que Eastbourne. Imagine apenas, senhor, a vantagem de economizar toda essa distância numa longa viagem. Mas Brinshore, senhor, na qual acredito esteja pensando, as tentativas de dois ou três especuladores em Brinshore no ano passado de promover aquele mesquinho povoado, situado como está entre um charco estagnado, uma charneca árida e as constantes emanações de um brejo de algas putrefatas, não pode resultar em nada a não ser em decepção. E, em nome do bom senso, Brinshore poderia ser recomendável? Um ar muitíssimo insalubre, estradas sabidamente detestáveis, água suja sem igual, sendo impossível ter-se uma boa chávena de chá num raio de cinco quilômetros em redor. E, quanto ao solo, é tão gelado e infértil que nem consegue produzir um repolho que seja. Confie em mim, senhor, que esta é uma descrição a mais fiel de Brinshore, sem o mínimo grau de exagero, e se o senhor ouviu falar dela de modo diverso…
– Meu senhor, eu nunca ouvi falar dela em toda a minha vida – disse o sr. Heywood. – Nem sabia que havia tal lugar no mundo.
– Não sabia! Veja, minha cara – voltando-se com exultação para a esposa -, veja como são as coisas. Eis a celebridade de Brinshore! Este senhor nem sabia existir tal lugar no mundo. Pois bem, meu senhor, na verdade creio que poderíamos aplicar a Brinshore aqueles versos do poeta Cowper descrevendo a aldeã religiosa, que ele opõe a Voltaire: “Ela nunca ouviu falar de algo que esteja a cerca de um quilômetro de casa.”
– Sinceramente, caro senhor, aplique a isso os versos que quiser. Mas quero ver é algo aplicado à sua perna. E estou certo, pelas feições de sua senhora, de que ela é bem da minha opinião e acha inútil estarmos perdendo mais tempo aqui. E lá vêm minhas filhas para falar por elas próprias e pela mãe delas.
Duas ou três jovens amáveis e simpáticas, seguidas por outras tantas criadas, estavam agora saindo das portas da casa.
– Estava admirado que o alvoroço ainda não tivesse chegado a elas. Um incidente deste gênero logo se torna um acontecimento num lugar solitário como o nosso. Agora vejamos, senhor, qual a melhor maneira de conduzi-lo até a casa.
As jovens chegaram e disseram tudo o que seria próprio para reforçar as ofertas do pai e sem a menor afetação trataram de propiciar comodidades aos viajantes. Como a sra. Parker estivesse ansiosamente necessitada de repouso, e o marido a essa altura não muito menos inclinado a isso, não fizeram cerimônia; mesmo porque a carruagem, agora posta em pé, revelou ter sofrido no lado da queda tais estragos que tornavam imprópria a sua utilização. O sr. Parker foi carregado então para a casa, e a carruagem empurrada para dentro de um galpão vazio.”
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Não é verdade. Tentei entrar na Ilustrissima e só pode assinante. Fiquei frustrada.!
Alcina,
muito estranho pois eu consigo entrar e não sou assinante da Folha. Vou verificar.