Se eu tivesse todo tempo do mundo leria vezes, originais e traduções, para ter o prazer de ver as soluções engenhosas dos tradutores. Estou falando de traduções, não de arremedos de tradução e plágios! Escolhi o capítulo 18 de Persuasão e uma cena com o almirante, pois gosto muito dos Croft.
O ilustrador C. E. Brock parece que também gostava desse encontro!
Anne was too much engaged with Lady Russell to be often walking herself; but it so happened that one morning, about a week or ten days after the Croft’s arrival, it suited her best to leave her friend, or her friend’s carriage, in the lower part of the town, and return alone to Camden Place, and in walking up Milsom Street she had the good fortune to meet with the Admiral. He was standing by himself at a printshop window, with his hands behind him, in earnest contemplation of some print, and she not only might have passed him unseen, but was obliged to touch as well as address him before she could catch his notice. When he did perceive and acknowledge her, however, it was done with all his usual frankness and good humour. “Ha! is it you? Thank you, thank you. This is treating me like a friend. Here I am, you see, staring at a picture. I can never get by this shop without stopping. But what a thing here is, by way of a boat! Do look at it. Did you ever see the like? What queer fellows your fine painters must be, to think that anybody would venture their lives in such a shapeless old cockleshell as that? And yet here are two gentlemen stuck up in it mightily at their ease, and looking about them at the rocks and mountains, as if they were not to be upset the next moment, which they certainly must be. I wonder where that boat was built!” (laughing heartily); “I would not venture over a horsepond in it. Well,” (turning away), “now, where are you bound? Can I go anywhere for you, or with you? Can I be of any use?”
“None, I thank you, unless you will give me the pleasure of your company the little way our road lies together. I am going home.” Persuasion, chapter 18
Tradução de Luiza Lobo, com grifos coloridos para mostrar as diferenças das edições: Bruguera, 1971 e Francisco Alves, 2007, respectivamente. Achei os acréscimos e modificações muito bons (provavelmente da própria tradutora).
Anne tinha compromissos demais com Lady Russel, o que não lhe dava tempo para caminhar, mas certa manhã, uns sete ou dez dias depois da chegada dos Crofts, sentiu-se mais disposta a deixar a amiga ou sua carruagem na parte baixa da cidade, e voltar sozinha a Camden Place, e ao subir Milson Street, teve a sorte de encontrar o almirante. Estava parado diante de uma loja de gravuras, com as mãos atrás das costas, absorto na contemplação de uma estampa. Ela poderia ter passado despercebida, mas teve de apertar sua mão e dirigir-lhe a palavra antes que pudesse chamar-lhe a atenção. Quando ele notou-a, reconheceu-a e mostrou a franqueza e o bom humor habituais.
— Ah! É você? Obrigado, obrigado. Isto é que é tratar-me como um amigo. Aqui estou, como vê, olhando um quadro. Nunca passo por esta loja sem parar. Mas que coisa é essa fingindo um barco? Olhe! Já viu algo parecido? Que estranhos sujeitos esses pintores devem ser, para pensar que alguém aventuraria a vida numa casca de noz, velha e desconjuntada, dessas! Mesmo assim, há dois cavalheiros em cima dela, bem à vontade, e olhando rochas e montanhas à sua volta, como se no momento seguinte não pudessem ser atirados para fora dali, o que sem dúvida acontecerá. Só me pergunto onde terão construído este barco (rindo sinceramente)… Agora, onde vai? Posso ir para você a algum lugar, ou com você? Posso ser-lhe útil em alguma coisa?
— Em nada, muito obrigada, a menos que me queira dar o prazer de sua companhia, até a rua perto de casa. Estou indo para lá.
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Anne tinha compromissos demais com Lady Russel para caminhar, mas certa manhã, uns sete ou dez dias depois da chegada dos Crofts, sentiu-se mais disposta a deixar a amiga e sua carruagem na parte baixa da cidade, e voltar sozinha a Camden Place. E ao subir Milson Street, teve a sorte de encontrar o almirante. Estava parado diante de uma loja de gravuras, com as mãos atrás das costas, absorto na contemplação de uma estampa. Ela poderia ter passado despercebida, mas sentiu-se compelida a apertar sua mão e dirigir-lhe a palavra antes que pudessem chamar-lhe a atenção. Quando ele a notou, reconheceu-a e mostrou a franqueza e o bom humor habituais.
— Ah! É você? Obrigado, obrigado. Isto é que é tratar-me como um amigo. Aqui estou, como vê, olhando um quadro. Nunca passo por esta loja sem parar. Mas que coisa é essa imitando um barco? Olhe para isso! Já viu algo parecido? Que estranhos sujeitos esses pintores devem ser, para pensar que alguém aventuraria a vida numa casca de noz dessa, velha e desconjuntada! E contudo, há dois cavalheiros em cima dela, bem à vontade, e olhando rochas e montanhas à sua volta, como se no momento seguinte não pudessem ser atirados para fora, o que certamente acontecerá. Só me pergunto onde terão construído este barco (rindo sinceramente), não me aventuraria nele nem num tanque de lavar cavalos. Bem (voltando-se), onde vai agora? Posso ir a algum lugar para você ou com você? Posso ser-lhe útil em alguma coisa?
— Em nada, muito obrigada, a menos que me queira dar o prazer de sua companhia, no pequeno trecho em que nosso caminho é comum. Estou indo para casa.
Tradução de Leyguarda Ferreira de 1949 da Romano Torres, com o título de Sangue Azul. Esta tradução, no frontispício do livro, diz ser uma “versão do original inglês” e de fato a tradução parece condensada, mas não perde o ritmo nem o sentido do texto. E para completar tem uma tirada ótima (grifo azul), que na minha opinião, ficou muito bem na voz do almirante.
Anne passeava habitualmente com Lady Russel e raramente saía sòzinha. Por acaso isso aconteceu, talvez uns dez dias após a chegada dos Croft. Como de costume saiu com Lady Russel, mas ao atingir a parte baixa da cidade, despediu-se da amiga e saltou da carruagem, com tenção de regressar sòzinha a Camden Place. Quando atravessava Milson Street teve a alegre surpresa de ver o almirante, que parara diante da montra de uma loja de gravuras e, de mãos atrás das costas, examinava com interesse algumas delas. Anne não podia passar sem ser notada e foi obrigada a tocar-lhe no ombro a fim de lhe chamar atenção. Quando a reconheceu ficou satisfeitíssimo e cumprimentou-a com a usual franqueza e bom humor.
— Como passou, Miss Elliot? eu melhor, muito obrigada pelo seu cuidado. Como vê, estava estudando estas gravuras. Não posso passar por aqui, sem parar. O barco que eles inventaram! Olhe para ali. Já viu coisa igual? Muito originais são estes pintores! Pensaram ser possível alguém arriscar a vida numa casca de noz como esta! E no entanto, não se esqueceram de lá pôr dois homenzinhos, muito sossegados, contemplando montanhas e rochedos, como se não estivessem sujeitos a ir para o fundo, o que naquelas circunstâncias teriam de mais certo. Gostaria de saber onde este navio foi construído — concluiu, rindo com gosto — Eu nunca me aventuraria num chaveco de tal ordem. E agora, mudemos de assunto. Onde vai? Posso acompanhá-la ou encarregar-me de qualquer comissão? Posso ser-lhe útil?
— Muito obrigada… Dar-me-á muito prazer com a sua companhia. Vou para casa.
Tradução de Isabel Sequeira (1996). Esta, sinceramente, parece meio desengonçada. E não é o fato de ser português de Portugal – já na primeira frase perdeu o sentido, pois o problema não é andar a pé, e sim andar sozinha…
Anne estava demasiado ocupada com Lady Russel para andar muito a pé; mas uma manhã, cerca uma semana ou dez dias da chegada dos Croft, deixou a amiga,ou melhor, a carruagem da amiga, na parte inferior da cidade e voltou sozinha para Camden Place; ao subir Milson Street, teve a boa sorte de encontrar o almirante. Ele estava sozinho, junto da montra de uma loja de estampas, com as mãos atrás das costas, a olhar atentamente para um quadro, e ela não só podia ter passado por ele sem que ele a visse mas viu-se inclusivamente obrigada a tocar-lhe e a dirigir-lhe a palavra para atrair a sua atenção. Quando, porém, ele finalmente reparou nela e a cumprimentou, isto foi feito com sua franqueza e bom humor habituais.
– Ah! É a menina? Obrigada, obrigado. Isto é tratar-me como amigo. Aqui estou eu, como vê, a olhar para um quadro. Nunca consigo passar por esta loja sem parar. Que coisa esta, a fingir que é um barco. Olhe bem. Já alguma vez viu algo parecido? Que pessoas estranhas os pintores devem ser, para pensar que alguém arriscaria a vida numa casca de noz daquelas. E, no entanto, aqui estão dois cavalheiros dentro dele, perfeitamente á vontade e a olhar em redor para os rochedos e montanhas, como se não fossem afundar-se no momento seguinte, que é sem dúvida o que vai acontecer. Gostaria de saber onde aquele barco foi construído. – Ele riu-se com vontade. – Agora, aonde vai? Posso acompanhá-la ou ir por si a algum lado? Posso ser-lhe útil em alguma coisa?
– Não, obrigada, a não ser que me queira dar o prazer da sua companhia durante o pequeno percurso em que seguimos pela mesma rua. Eu vou para casa.
Certamente há mil detalhes nesses dois pequenos parágrafos que que não vi, mas agora é com vocês! Deixo também uma dica, via Denise, “Alma de escritor” por Ruy Barata Neto.
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Adorei este comentário. Não tenho tantas versões do mesmo livro, porem de Orgulho e Preconceito os tenho em inglês, espanhol e português. É surpreendente como as traduções são diferentes respeito do original.
Marita,
sempre há diferenças, e na maioria das vezes uma boa surpresa! Se me permite uma pergunta, a sua edição em espanhol é da Espanha, Argentina ou outro país?
ah eu adoro fazer comparações entre as traduções, também compro o mesmo livro em diferentes versões, meu irmão acha estranho pra que comprar o mesmo livro se “só” muda a capa…
Ahh O&P em espanol, inveja mode on
Nique,
já, já estarás chegando em caso com livros escondidos…
que interessante, raquel! especialmente a de leyguarda ferreira. gosto muito quando a tradução é “fiel” ao original, não no sentido de “literal” nem demasiado presa ao texto, mas nesse sentido do clima, do sentido, da coisa.
sempre penso no prazer do texto quando ele é escrito na língua da gente mesmo. monteiro lobato conseguia isso magnificamente bem em suas traduções. pareciam originalmente escritas em português.
e há quem critique suas traduções por serem “erradas” ou infiéis!! mas o cara tem que ser muito bom para ter esse descolamento do original e conseguir recriar algo bonito. achei essa da leyguarda muito interessante. claro que sempre se pode criticar, mas aí onde fica o gosto da coisa?
Denise,
não li toda da a tradução ou vesão da Leyguarda mas gostei muito dos “homenzinhos sossegados”!
Denise,
eu imagino que é preciso gostar do texto para fazer tradução literária, sem contar conhecimento técnico que é indispensável, claro.
Estava lendo Tom Jones no original mas percebi que haviam muitas palavras que teria que procurar no dicionário e o livro é imenso e para arrematar achei a tradução de
Quando li “You audacious strumpet” sabia que era de estrupício para baixo mas não sabia a tradução e continuei a leitura. Depois achei esta belezura da tradução “Atrevida barregã”. Estou rindo até agora. Adoro palavras pomposas em criatura tolas.
fui ver a leyguarda no google. parece que é bem consagrada em portugal, não só tradutora e adaptadora, mas tb autora de histórias infantis. parece uma tatiana belinky nossa. e uma das editoras fala em “versão livre”. é um bom termo: também diziam que o lobato fazia “adaptações” (não gosto) ou “traduções livres” (concordo, mas se vc vê o original, é tão fiel que fica parecendo quase “literal”, mas um literal rico e gostoso).
como é difícil essa coisa de tradução literária!
Oi, Raquel! Você deve lembrar que fiz um post uma vez chamado “Aprendendo alemao com… Jane Austen!” (http://mima-pumpkin.blogspot.com/2009/01/aprendendo-alemao-comjane-austen.html) que falei sobre meu desafio de ler os 6 romances em alemao, como forma de aprender melhor o idioma. Bem, até agora só fiz verdadeiro progresso com Orgulho e Preconceito… de fato, já decorei completamente as primeiras páginas, assim como já o tinha feito em inglês. Adoro ver as nuances de significado nos diferentes idiomas, as solucoes que a tradutora encontrou pra transmitir as informacoes… tentei ler Emma e Persuasao (já os li em inglês também), mas Orgulho e Preconceito é o que melhor fluiu até agora. Com um idioma estrangeiro também fica mais fácil de perceber quais as palavras que a Jane mais utilizava, porque as verifico diversas vezes no meu glossário particular “Austen”. Acho que algum dia vou divulgar esse glossário para quem se interessar em ler esses romances em alemao também! rs
Mima,
é claro que lembro!
Agora fiquei curiosa sobre a tradução em alemão. O que te pareceu? faz jus ao texto de Jane? É difícil de entender mesmo dominando a língua? Emma e Persuasão ficaram mais difícil em alemão?
A traducao fico muito boa, dependendo do quao envolvida estou na história até esqueco que nao estou lendo em inglês. A tradutora fez questao de nao só traduzir mecanicamente como transportar os sentidos e expressoes para algo que fizesse sentido culturalmente para os alemaes, o que achei muito interessante, flui de forma natural. Emma e Persuasao já achei um pouquinho mais dificil de ler que Orgulho e Preconceito mesmo em inglês o que pode explicar minha dificuldade em lê-los em alemao. O que mais me chateia em ler esses livros em outro idioma é que tenho mania de “ouvir” as vozes das personagens nos diálogos dentro da minha cabeca e simplesmente nao consigo fazer sotaque inglês em alemao! rsrs
Mima,
que maravilha perceber essas nuances em outra língua! E muito interessante sua “mania” de ouvir o sotaque britânico… tentas ouvir também em português?
Na verdade, ainda nao os li em português, entao fica difícil afirmar que sim ou nao! hehe Acho que provavelmente acabaria forcando um sotaque portugues de Portugal, o que estragaria tudo para mim x)
Mima,
já imagino Mr. Darcy a conversar com a menina Elizabeth!