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Terminei de ler O Quinze, romance de Rachel de Queiróz, tradutora da primeira edição de Mansfield Park no Brasil (1942). Gostei muito do romance mas não é este motivo do post e sim uma citação que me remeteu a Jane Austen.

O Quinze, Rachel de QueirózRachel assim como Jane Austen era muito jovem quando em 1930 escreveu O Quinze, título que se refere à grande seca de 1915 no nordeste brasileiro. As duas personagens principais são Mãe Nácia, dona de uma fazenda e avó da protagonista, Conceição, que mora em Fortaleza onde trabalha como professora mas sempre visita a avó nas férias. A moça gosta do primo Vicente, também filho de fazendeiro e que diferente do irmão com cargo de promotor, tornou-se um dedicado vaqueiro. Conceição é uma moça moderna, culta e cheia de idéias na cabeça e Vicente um rapaz de ótimo caráter mas sua vida é a fazenda. O amor dos primos é difícil.

Quando chega a seca, aquela seca de abrasar a terra, todos que podem vão para as cidades, incluindo os pobres como Chico Bento e sua família que acabam num Campo de Concentração (conhecido como currais) onde recebiam parca ajuda do governo e a caridade de particulares. Nesse local Conceição ajudava usando todo seu ordenado com alimentos e remédios para os doentes e sua vó a reprendia pelo excesso de zelo:

[…] ela respondia, rindo: – Mãe Nácia, eu digo como a heroína de um romance que li outro dia: ”Não sei amar com metade do coração…” Ao que a avó respondia, aborrecida: – Pois vá-se guiando por heroína de romance, e depois não acabe tísica… Mas apesar de censurar os exageros da neta, seu coração de velha avó todo se confrangia e mortificava com a mortandade horrorosa que aquele novembro impiedoso ia espalhando debaixo dos cajueiros do Campo.

Quando li a citação da heroína, de imediato lembrei de Marianne Dashwood e corri para a primeira tradução, a de Dinah Silveira de Queiroz, capítulo 50:

Mariana nunca poderia amar por meio termo; e em tempo, o seu coração foi tão dedicado a seu marido como havia sido outrora a Wiloughby.

Depois me dei conta que a tradução de Razão e sentimento de Dinah foi publicado em 1944 e O quinze em 1930. De todo modo o sentido é esse mesmo e transcrevo o original e a tradução de 1982 de Ivo Barroso que se aproxima mais do texto do livro de Rachel:

Marianne could never love by halves; and her whole heart became, in time, as much devoted to her husband, as it had once been to Willoughby. cap  50

Marianne não sabia amar pela metade e todo seu coração veio, com o tempo, a devotar-se ao marido, como se havia outrora devotado a Willoughby. (trad.  Ivo Barroso)

A alegria de imaginar que Jane Austen já estava sendo lida no Brasil bem antes de 1940, quando foi publicado a primeira tradução, (Orgulho e preconceito) foi imensa, mas a lógica continua a fazer e refazer a pergunta: será mesmo  uma referência à obra de Jane Austen?

Pensem comigo: não é a heroína, Marianne Dashwood, que diz que não sabe amar pela metade, mas a narradora onisciente. Esse detalhe será irrelevante como citação? Poderá ser outro livro, outra heroína, que terá dito a mesma coisa ou algo semelhante?

Se alguém conhece outra heroína que também não sabe amar pela metade, por favor, me avisem!

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9 comentários

  1. Raquel,

    Definitivamente acredito que tenha sido sim uma citação de Jane Austen! Lembrando que a Rachel traduziu Mansfield Park, portanto isso me faz crer que sim, ela com certeza deveria já ter lido Razão e sentimento à época da escrita de O quinze, em inglês mesmo.

  2. Tenho certeza! Seria muita coincidência ela ser uma tradutora de Jane Austen e ter esta citação em um dos seus livros.
    Acho que vou incluir “O quinze” na minha lista de leituras (até poque ainda não li nada da Rachel). Obrigada por esta dica!
    Beijos, Raquel!

    1. Rebeca,
      também acho que seria coincidência demais. O Quinze é uma história dura, ou melhor, seca talvez seja a melhor palavra mas muito interessante.

  3. Oi, Raquel! Tudo bem?

    Embora tenha sido uma leitora assídua de seu blog, entre 2009 e 2012, quando Jane Austen pouco era conhecida em solo brasileiro, acredito que você já não se recorde de mim, visto que, desde então, devido a motivos pessoais variados, acessei, em raros momentos, sua página. De qualquer modo, gostaria de parabenizá-la pelo belo layout e pelas mais recentes postagens do Jane Austen em Português, que, conforme pude constatar, parecem mais instigantes do que nunca, como esta acerca da possível intertextualidade entre O Quinze e Razão e Sensibilidade.

    Ainda que, até agora, não tenha tido o prazer de ler a obra-prima de Rachel de Queiroz, lembro-me de haver me deparado, numa dada ocasião, com o texto de um site em que se comentava ter sido a maior romancista inglesa de todos os tempos não apenas traduzida, mas também apreciada por nossa grande escritora cearense, que a considerava uma de suas autoras favoritas. Mesmo que não consigamos obter quaisquer confirmações da veracidade dessa informação, podemos estar certas de que há um número razoável de personalidades literárias nacionais que admira Austen, como Lygia Fagundes Telles (que escreveu um sensível prefácio para a edição de Razão e Sentimento publicado pela Nova Fronteira em 2005) e Heloisa Seixas (que afirmou ser Orgulho e Preconceito um romance “tecnicamente perfeito” e Razão e Sensibilidade, uma leitura tão empolgante quanto). No que se refere aos estrangeiros, existem tantos extasiados por sua obra que se torna difícil a tarefa de enumerá-los. Entre os mais populares, encontram-se, por exemplo, Elizabeth Gaskell, L. M. Montgomery, Virginia Woolf, Agatha Christie, C. S. Lewis, Harper Lee e J. K. Rowling. Na verdade, com exceção de nomes tais quais Ralph Waldo Emerson, Charlotte Brontë e Mark Twain, quase toda a nata da literatura é austeniana de coração!

    Um grande abraço,
    Karen

    1. Karen, que bom revê-la!
      Depois de oito anos, mais de 3000 post, mais de 25000 comentários, sendo 1/3 respostas minhas, acabou minha memória! Claro que quando começo a ler vou aos poucos lembrando de alguns assuntos.

      Também tenho publicado poucos textos de opinião (minha) mas comecei essa série Fulano sobre Jane Austen e a lista é imensa e já tenho alguns preparados mas precisando de confirmação de dados e revisão. Vou acrescentar L. M. Montgomery e Harper Lee que eu não sabia.

      Espero que no próximo ano eu tenha mais tempo para tudo que ainda quero fazer em relação a Jane Austen. Um grande abraço, Raquel

      1. Oi, Raquel!

        Vou tentar ajudá-la com o pouco que sei sobre as duas autoras que entrarão em sua lista. Enquanto Harper Lee comentou, certa vez, que desejava ser a “Jane Austen do sul do Alabama”, L. M. Montgomery não apenas abrigou, em sua biblioteca, os romances Orgulho e Preconceito, Emma e Mansfield Park, mas também ecoou alguns dos princípios austenianos na estruturação do relacionamento amoroso do casal protagonista da série Anne de Green Gables, como a ideia de que o amor surge a partir do conhecimento mútuo e da amizade. Há, ainda, Carol Shields, renomada escritora canadense, da qual você deve ter conhecimento, porque ela dedicou uma biografia a Austen, que eu gostaria de ler, se fosse traduzida no Brasil.

        Espero que isso a auxilie em suas futuras publicações! 🙂

        Um abraço, Karen

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