Jane Austen, editora?
por Mell Siciliano
Jane Austen, editora, será? Abaixo segue a definição de editor do dicionário Aurélio (2010):
e.di.tor [ Lat. editore] adj. 1. Que edita. 2. Quem edita. 3. O responsável pela supervisão, preparação de textos especializados, etc., em jornal, revista, etc.
Traduzindo para vida prática, o(a) editor(a) é aquela pessoa que trabalha com a supervisão de todo o processo para a publicação de um conteúdo, um texto, um livro, etc ou/e aquele que trabalha diretamente na preparação do texto, observando não só questões gramaticais como também de adequação do conteúdo ao objetivo fim, muitas vezes propondo alterações substanciais no conteúdo final.
E o que tudo isso tem a ver com Jane Austen? Bem, lendo suas cartas descobri duas coisas: a primeira é que sua sobrinha Anna Austen (depois Lefroy) também escrevia, e a segunda é que em suas cartas para sua tia ela pedia por conselhos sobre seus escritos!
E Jane não se resumia a dar opiniões, ela indicava alterações no texto, de forma que sua sobrinha pudesse passar mais claramente – ou da maneira mais adequada – aquilo que ela gostaria de passar. Separei alguns exemplos pra vocês:
Carta 103, para Anna Austen, Junho de 1814
A few verbal corrections were all that I felt tempted to make – the principal of them is a speech of St. Julians to Lady Helena – which you will see I have presumed to alter. – As Lady H. is Cecilia’s superior, it would not be correct to talk of her being introduced; Cecilia must be the person introduced.
Algumas correções de discurso foram tudo o que eu me senti tentada a fazer – a principal delas é uma fala de St. Julians para Lady Helena – você verá que eu ousei alterar. – Como Lady H. é superior a Cecília, não seria correto falar dela ser introduzida; Cecilia deve ser a pessoa introduzida.
Carta 104, para Anna Austen, Junho de 1814
(…) We have just finished the first part of the 3 books I had the pleasure of receiving yesterday; I read it aloud – & we were all very much amused, & like the work quite as well as ever. (…) My corrections have not been more important than before; – here and there, we have thought the sense might be expressed in fewer words (…) Lyme will not do. Lyme is towards 40 miles distance from Dawlish & would not be talked of there. I have put Starcross indeed. – If you prefer Exter, that must be always safe.
(…) Let the Portmans go to Ireland, but as you know nothing of the manners there, you had better not go with them. You will be in danger of giving false representations. Stick to Bath & the Foresters. There you will be quite at home.(…) Nós acabamos de terminar a primeira parte dos 3 livros que tive o prazer de receber ontem; eu li em voz alta – e todos nós ficamos muito entretidos, e gostamos do livro tanto quanto antes. (…) As minhas correções não foram mais importante do que antes; – Aqui e acolá, pensamos
que o sentido poderia ser expressado em menos palavras (…) Lyme não servirá. Lyme fica a 40 milhas de distância de Dawlish e não seria falada por lá. Eu coloquei Starcross, de fato. – Se você preferir Exter, tal opção será sempre segura.
(…) Deixe os Portmans irem para a Irlanda, mas como você não sabe nada sobre os costumes de lá, o melhor a fazer é não ir com eles. Você correrá o risco de dar falsas representações. Mantenha-se em Bath e com os Foresters. Lá você estará em casa.
Existem ainda várias cartas que tratam dessas edições de texto. Como a numeração que tenho é a do meu livro, indico esse site caso queiram ler todas. As cartas que lá estão são de outra edição, a de Brabourne, mas o conteúdo é o mesmo.
Agora vocês devem estar se perguntando: mas cadê o livro da Anna pra gente conhecer St. Julians e Lady Helena e Cecilia? Devo dizer que, infelizmente, ele não foi publicado. Na verdade, ele nem foi terminado. Segundo as informações do livro, as obrigações de Anna após o casamento a deixaram com pouco tempo disponível para escrever. Além disso, a morte de Jane em 1817 privou Anna da sua maior incentivadora. Após guardar o manuscrito por muitos anos, Anna decidiu queimá-lo. Uma pena, pois – como expressado no próprio livro – mesmo sendo um livro incompleto, as edições indicadas por Jane tornariam o manuscrito muito valioso.
Termino a postagem com uma resposta para a pergunta proposta no título. Jane Austen, editora? SIM. Apesar da profissão na época ser exercida somente por homens e de ainda não existir um curso que cuidasse da formação acadêmica de tal profissional, o que Jane fazia com os escritos de Anna era edição pura.
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Que legal. Em qual edição podemos ler estas cartas?
Abraços!
Thais,
por enquanto só em inglês, na edição de Deirdre Le Faye.