web analytics

As declarações de Kathryn Sutherland, professora do St. Anne’s College (Oxford) e coordenadora do projeto Jane Austen’s Fiction Manuscripts Digital Edition, foram publicadas em vários jornais e estão gerando grandes discussões e chiliques.

As manchetes do Brasil são press release da AFP, e com pequenas variações, o título é categórico: “Escritora Jane Austen era péssima em ortografia”: Folha de São PauloRevista Veja e Correio Braziliense. Dois sites britânicos foram mais cautelosos em seus títulos: a BBC, “Jane Austen’s style might not be hers, academic claims” [Estilo de Jane Austen pode não ser dela, diz acadêmica] e The Telegraph, “Jane Austen’s famous prose may not be hers after all” [A famosa prosa de Jane Austen pode não ser dela afinal] e o The Guardian deixou claro a que veio: “Attack on Jane Austen’s genius shows neither sense nor sensibility“.

Os títulos, que a princípio achei exageradas nas publicações, tenho que concordar, estão de acordo com o original da página da Oxford, “Austen’s famous style may not be hers after all” [O famoso estilo de Austen pode não ser dela afinal], portanto não é possível reclamar.

As citações da professora Sutherland publicadas no site da Oxford são as que tomarei como base para escrever este post. O primeiro parágrafo é sobre o fato conhecido da reputação de perfeição da escrita de Jane. (Henry Austen certamente exagerou em seu elogio fraternal!)

‘It’s widely assumed that Austen was a perfect stylist – her brother Henry famously said in 1818 that “Everything came finished from her pen” and commentators continue to share this view today. The reputation of no other English novelist rests so firmly on this issue of style, on the poise and emphasis of sentence and phrase, captured in precisely weighed punctuation.

“É amplamente conhecido que Austen tinha um estilo perfeito – seu irmão Henry disse em 1818 que “Tudo que vem de sua pena vem impecável”, opinião que continua até os dias de hoje. A reputação de nenhum outro romancista inglês repousa tão firmemente sobre esta questão de estilo, no equilíbrio e ênfase das frases captadas justamente na precisão na pontuação.”

No segundo parágrafo faço minha primeira observação: dos manuscritos, pelo menos dos que constam no Projeto, nenhum é dos seis livros que foram publicados, exceto de Lady Susan e que no caso parece ser uma cópia perfeitamente limpa e acabada. The Watsons e Sanditon são rascunhos e não cópias para publicação: o primeiro foi abandonado pela autora e o segundo era o início do que talvez fosse o próximo livro de Jane. O que sobrou de Persuasão é apenas a parte dos capítulos que ela descartou e trocou pela versão que conhecemos hoje com a famosa carta. A Juvenília e anotações, definitivamente não eram para serem publicados, eram papeis de família. Na página índice dos manuscritos, clique nos links “facsimile” das obras e poderá ver com exatidão cada documento.

Portanto as provas finais dos seis livros publicados não fazem parte do acervo atual de mais de 1100 páginas sobre as quais a professora estudou a obra de Jane Austen e assim sendo a maestria de Jane em Emma e Persuasão não poderia evidentemente ser encontrada nesses manuscritos que restaram.

‘But in reading the manuscripts it quickly becomes clear that this delicate precision is missing. Austen’s unpublished manuscripts unpick her reputation for perfection in various ways: we see blots, crossings out, messiness; we see creation as it happens; and in Austen’s case, we discover a powerful counter-grammatical way of writing. She broke most of the rules for writing good English. In particular, the high degree of polished punctuation and epigrammatic style we see in Emma and Persuasion is simply not there.’

“Mas ao ler os manuscritos rapidamente torna-se claro que esta delicada precisão está faltando. Manuscritos inéditos de Jane Austen desfazem sua reputação de perfeição de várias modos: vemos borrões, rasuras, confusão; vemos a criação acontecendo, e no caso de Jane Austen, descobrimos uma maneira poderosa anti-gramaticais da escrita. Ela quebrou a maioria das regras de boa escrita em inglês. Em particular, o elevado grau de pontuação e de estilo epigramático que vemos em Emma e Persuasão simplesmente não está lá.”

Antes de analisar parágrafo abaixo é necessário esclarecer que não há casa editorial – que faça jus a esse nome, bem entendido – que publique um livro sem antes preparar e revisar e portanto o trabalho de Wiliam Gifford não era, e não é exceção.

Mas as expressões “profundamente envolvido” e “culpado de tais correções”, acrescida do título do artigo “O famoso estilo de Jane Austen pode não ser dela afinal”, dão o tom de suspeita, mesmo que discreta, de que os erros seriam de tal nível e as correções tão profundas que modificariam o estilo do texto.

‘This suggests somebody else was heavily involved in the editing process between manuscript and printed book; and letters between Austen’s publisher John Murray II and his talent scout and editor William Gifford, acknowledging the untidiness of Austen’s style and how Gifford will correct it, seem to identify Gifford as the culprit.’

“Isto sugere que alguém esteve profundamente envolvido no processo de edição dos manuscritos e dos livros impressos; cartas entre o editor de Jane Austen, John Murray II e seu caçador de talentos e editor William Gifford, reconhecendo o desleixo do estilo de Jane Austen e como ele [Gifford] iria corrigi-lo, parecem identificar Gifford como o culpado de tais correções.”

No parágrafo seguinte, sobre os primeiros livros publicados por Thomas Egerton, Sutherland fala das críticas sobre a péssima impressão, o que é um problema gráfico. Mas logo a seguir afirma que o estilo desses romances seria verdadeiramente mais próximos dos manuscritos de Jane. Donde se deduz que verdadeiro estilo de Jane Austen era mais pobre.

‘Sense and Sensibility, Pride and Prejudice and the first edition of Mansfield Park were not published by Murray and have previously been seen by some critics as examples of poor printing – in fact, the style in these novels is much closer to Austen’s manuscript hand!’

Razão e sentimento, Orgulho e preconceito e a primeira edição de Mansfield Park não foram publicadas por Murray e já foram vistos por alguns críticos como exemplos de péssimas impressões – na verdade, o estilo desses romances é muito mais próximo aos manuscritos de Jane Austen!”

E por fim a professora fala quão inovadora era a escrita de Jane:

‘The manuscripts reveal Austen to be an experimental and innovative writer, constantly trying new things, and show her to be even better at writing dialogue and conversation than the edited style of her published novels suggest,’ she says.

“Os manuscritos revelam Jane Austen como um escritor experimental e inovador, constantemente tentando coisas novas, e a mostram muito melhor escrevendo diálogos e conversas do que o estilo editado em seus romances sugerem”,

O que antes desfazia a reputação de estilo impecável, como parágrafos intermináveis, confusões de letras e sublinhados e todo tipo de sujidades em seus manuscritos, nestes parágrafos finais tornam-se qualidades e Jane volta a ser uma romancista acima de tudo, num palavrório digno de uma notinha de Schopenhauer.

‘She is above all a novelist whose significant effects are achieved in the exchanges of conversation and the dramatic presentation of character through speech. The manuscripts are unparagraphed, letting the different voices crowd each other; underlinings and apparently random use of capital letters give lots of directions as to how words or phrases should be voiced.’

“Ela é acima de tudo uma romancista cujos efeitos significativos são alcançados nas trocas de conversa e apresentação dramática do personagem através da fala. Os manuscritos são sem parágrafos, deixando diferentes vozes diferentes agruparem-se umas as outras; sublinhados e uso aparentemente aleatórios de maiúsculas dando várias indicações sobre a forma como palavras ou frases deveriam ser expressas”

Finaliza falando sobre o humor na obra da autora e concluindo que sua última obra (inacabada) seria menos suave do que sua obra já publicada.

‘Austen was also a great satirist.  This thread in her writing is apparent in the sharp and anarchic spoofs of the teenage manuscripts and still there in the freakish prose of the novel she left unfinished when she died.  The manuscript evidence offers a different face for Jane Austen, one smoothed out in the famous printed novels.’

“Austen também foi uma grande humorista. Esta discussão em sua escrita é evidente nas paródias afiadas e anárquicas dos manuscritos de adolescente e ainda na prosa bizarra da novela que deixou inacabada [Sanditon ?] quando morreu. O manuscrito evidencia e oferece uma face diferente de Jane Austen, uma face que foi suavizada nos seus famosos romances impressos.

Este assunto certamente renderá muito, eu mesma estou aqui tentada em citar R. W. Chapman , mas fica para outra ocasião.

Minha opinião sobre o estilo de Jane Austen, baseada tão somente nas informações da professora Kathryn Sutherland e nos manuscritos online, é que é impossível afirmar que o estilo de Jane Austen foi suavizado ou modificado de tal forma que seu estilo não possa mais ser chamado de seu estilo.

E o que levou a tudo isso? A propria acadêmica com suas afirmações e contradições.

O motivo? Publicidade para o projeto dos manuscrito do qual é coordenadora (vide AustenBlog)? Simples vaidade de lançar um tema que sabia despertaria controvérsias (vide o brouhaha no Jane Austen’s World)? Seja qual for agora só resta aguentar as críticas com a famosa fleuma britânica!

Finalizo este post destacando dois trechos do texto de Jonathan Jones no The Guardian com os quais concordo:

Jane Austen’s style is not a bit of polishing on the surface of her novels, it goes deep into their structure, which is why they are so satisfying.

O estilo de Jane Austen não é só um pouquinho de polimento superficial de seus textos, a técnica aprofunda-se em sua estrutura, e este é o motivo pelo qual eles são tão prazerosos.

There is a dance between academics and arts reporters that has gone on long enough, in which scholars allow silly overinterpretations of their claims to become news, while at the same time looking down on the newsmonger. In this case the result is a pedantic assault on genius that can only diminish the pleasure of readers and confuse students. Austen is a great artist – through and through. Her voice is her own.

Há uma “dança” entre acadêmicos e jornalistas de artes que já foi longe o suficiente, em que estudiosos permitem tolas e exageradas interpretações de suas reivindicações para ser notícia e, ao mesmo tempo menosprezando o bisbilhoteiro. Neste caso, o resultado é um assalto pedante sobre o gênio que só pode diminuir o prazer dos leitores e confundir os estudantes. Austen é uma grande artista – por completo. Sua voz é própria.

PS: Peço desculpas pois o post era para ter sido publicado ontem, mas só voltei hoje para casa.

PS: onde lia-se “acima de todos” já foi corrigido para “acima de tudo”. Definitivamente sem revisão e autocrítica vive-se muito mal!

Visits: 862

Artigos recomendados

6 comentários

  1. Thank you for writing this insightful article, Raquel, and for linking to my post. I have linked your post to Jane Austen’s World and Jane Austen Today.

    All writers are edited. That so much has been made of this very well known fact puzzles me. Ah, well!

    1. Dear Vic,

      as I have said at your blog, I cannot blame only the newspapers. The tone of suspicion, even if slight, that the errors would be this level and corrections so deep that would modify the Jane’s text style, that leads to final texts are the teacher’s own statements with expressions such “heavily involved”, “Gifford as the culprit”, plus the title of the article (at Oxford page) “The famous style of Jane Austen can not be hers after all,”.

  2. Raquel, que coisa essa história! Também vi a página dos manuscritos digitalizados e fiquei decepcionada, esperava mais. Mas, com toda essa confusão, eu me lembrei de um artigo antigo que eu li e, como guardo tudo no Favorites, revi. Era a própria professora Sutherland em polêmica briga nos jornais com outra pesquisadora, por conta da sua pesquisa com Jane Austen. Em um trecho da matéria (de um ano atrás), ela se refere a essa “nova visão” sobre Jane Austen, que, ao que parece, é o que ela pretendia contextualizar agora. Se você tiver tempo, provavelmente você já leu sobre esse assunto há um ano:
    “Jane Austen scholars clash in textbook research row”
    http://www.guardian.co.uk/books/2009/mar/15/jane-austen-research-row

    1. Marcia,

      obrigada, vou dar uma olhado no artigo e depois te respondo aqui no post.

  3. Isso me lembra a patusquice nacional de cobrar o fato de que Machado de Assis nunca tenha escrito em favor do “seus”. No caso, os negros, assunto vedete de dez entre dez Fefelechi/letras.

    Ô, academicismo sem brilho!

Comentários estão encerrado.