A fonte Jane Austen de Pia Frauss, como não poderia deixar de ser, está amplamente disseminada na internet. O trabalho de Pia é fabuloso. No seu site, as páginas de cada fonte contém uma descrição histórica e suas peculiaridades técnicas. Esse texto, referente a fonte Jane Austen, traduzi em 2006 – com a autorização de Pia – para o meu antigo blogue The Residence of the Gods. Coloco abaixo apenas a introdução tradução e recomendo a leitura integral pois é mais uma forma de conhecermos Jane.
Como Pia Frauss transformou a bela caligrafia de Jane Austen em uma deliciosa fonte digital!O texto a seguir é uma tradução para o português feita por mim e autorizada por Pia Frauss.
Homenagear seu autor favorito pode ser um trabalho doloroso e complicado. Portanto, por favor, não confundam esta fonte, embora feita tendo como modelo os caracteres escritos por Jane Austen, com sua caligrafia original. Como toda pessoa inteligente, ela escrevia de várias maneiras, dependendo das palavras e da posição em que estavam escritas. Suas palavras iam claramente diminuindo à medida que iam finalizando-se. Seus pingos nos “is” movem-se acima da letra, mas sem colidir com os outros caracteres (o que inevitavelmente acontece quando os pingos são fixos na fonte); e, pior de tudo, seus traços algumas vezes parecem muito espessos e, outras vezes, finos demais, dependendo da quantidade de tinta que havia na pena naquele dado momento – e se essa pena havia sido afiada ou precisava de reparos – e, portanto, é quase impossível determinar a exata medida da espessura desses traços. Entretanto, criar uma imagem média tem sido o objetivo do trabalho de minha fonte e, naturalmente, isso a tem dotado com a principal “falha” de todas as fontes: está parecendo regular demais.Jane Austen viveu numa época em que não havia máquinas de escrever e as pessoas eram rigorosamente treinadas para adotar uma caligrafia legível. Suspeito muito que, deixada por sua própria conta, ela teria feito o que grafólogos e criadores de fontes mais odeiam: ter escrito suas palavras em longas e onduladas garatujas. Legibilidade tinha de ser, e de fato foi, uma de suas principais preocupações. Ela seguia atentamente o modelo Bickham*, e também o melhorava fazendo uma leitura minuciosa e refazendo as letras que não se adequavam a sua escrita. Isso é mais bem observado com o “x”, que tende desde o início a ser sua letra mais ilegível, reduzindo-se ocasionalmente em um simples laçarote na palavra, com uma pequena ponta. Algumas vezes ela o refez de forma inequívoca, reescrevendo a letra completamente.Esses retoques, lamentavelmente, deram início a uma tola e estranha teoria de que o hábito de Jane de escurecer seus “os” indicava que ela guardava um segredo. Quando eu soube pela primeira vez – muito depois de ter iniciado minha fonte “Jane Austen” – fiquei espantada. Honestamente nunca havia notado tal característica, e a verdade é que, longe de ser generalizada, não ocorre tão freqüentemente. Revisões no meu trabalho confirmam esse ponto: pode haver “os”, “es”, “as”, “gs”, etc. escurecidos, espalhados pelo texto, mas podem ser facilmente explicados, tanto pela tendência de Jane de produzir letras estreitas (enquanto ligações tendem a ser abertas, espalhando ainda mais tinta no centro das letras pela forma dos traços iniciais e finais) ou pelo fato de ela as retocar forçando sua pena nos pontos que haviam ficado em branco anteriormente. Todas essas características devem ser consideradas legitimamente acidentais, e não um estilo intencional. E, desde que as fontes em formas abertas prevalecem amplamente no texto de Jane, nenhuma “black letter” [letra escura, escurecida] foi incluída aqui – motivo pelo qual minha fonte tem o subnome de NoSecret. É claro que a idéia é ridícula. Pessoas que guardam um segredo se esforçarão ao máximo para mantê-lo e evitarão até mesmo suspeitas de que estariam escondendo algo. Como poderia a grafologia descobrir a maneira pela qual – e presumindo que possa – isso afeta seus estilos de escreverem? Mas como todos nós estamos atormentados por uma questão mais importante sobre Jane Austen: “Porque ela nunca casou?”, a grafologia deu-nos o direito de conjeturar sobre o que sempre suspeitamos; como exemplo, uma intensa, inextinguível e não correspondida paixão, marcada profundamente em sua alma, motivo pelo qual teria ficado solteirona por toda a vida. Sentindo-me bastante enojada com tais definições e descartando toda a coisa como a mais completa bobagem, voltei para meu material… — e então ficou claro para mim que, não obstante objeções, crenças e charlatanismos, tal suposição teria, no entanto, escondido o ponto exato. Jane Austen tinha na verdade não um, mas dois segredos. Seu primeiro segredo era o significado de Mansfield Park, e seu segundo segredo o tema de Emma. Depois da publicação desses dois romances, ela começou a escrever um diário, descrevendo as declarações de cada leitor a que ela tivesse acesso. Porque ela faria isso? O mais provável parece ser que ela queria saber se seus leitores seriam capazes de “desvendá-la” e, caso não conseguissem, manter registro de como eles se confundiam ao ler seus livros. Sobre Mansfield Park não estou atualizada, mas devem ter sido desenvolvidos estudos nestes últimos anos. Quanto a Emma, posso seguramente jurar que o segredo da autora continua intacto e seguro exatamente como ela o levou para o túmulo. Nenhuma crítica literária em todo mundo será capaz de dizer-nos o que realmente acontece nesse romance, o mais engenhoso de todos. Entretanto, depois de tudo, estou pensando em produzir Secret, uma versão em letras escurecidas! Existem certas peculiaridades nesta fonte:
- o símbolo # ou (alt+0035) tornou-se um “the“. Infelizmente esse conjunto não funciona muito bem no meio de palavras.
- o símbolo $ ou (alt+0036) tornou-se um “Z” alternativo.
- o símbolo de secção § ou (alt+0167) tornou-se um “C” alternativo, assentado na linha (diferente do C comum, que se projeta para baixo da linha.
- o símbolo + ou (alt+0043) tornou-se a terminação “ing“, muito comum em inglês, mas fica um pouco esquisito se usado no meio da palavra, por exemplo, “finger”.
- o símbolo = ou (alt+0061) tornou-se “ds“, de uso freqüente no final de verbos, e nesse caso não ficará de todo mau se usado no meio de palavras.
- o símbolo de grau ° ou (alt+0176) tornou-se “gr“, que se adapta muito bem em todos os contextos.
- o símbolo < ou (alt+0060) tornou-se a abreviação “Mr.“.
- o símbolo > ou (alt+0062) tornou-se a abreviação “Mrs.“.
- o símbolo [ (colchete esquerdo) ou (alt+0091) tornou-se um “z” alternativo.
- o símbolo ] (colchete direito) ou (alt+0093) tornou-se um “d” alternativo, que pode ser usando no fim das palavras.
- o símbolo { (chave esquerda) ou (alt+0123) tornou-se um “R” alternativo, assentado na linha (diferente do “C” comum, que se projeta para baixo da linha).
- o símbolo chave direita } ou (alt+0125) tornou-se um “U” alternativo, que se adapta tanto na forma como no espaçamento para ser usado como um “ll” [duplo ele].
- os símbolos | (barra ou barra quebrada) ou (alt+0166) tornou-se um “A” alternativo.
- o símbolo do € (euro) ou (alt+0128) tornou-se um “E” alternativo.
- o símbolo do ¥ (yen) ou (alt+0165) tornou-se um “H” alternativo.
- o símbolo † (adaga) ou (alt+0134) tornou-se o sinal mais +.
- o símbolo ‡ (dupla adaga) ou (alt+0135) tornou-se o sinal igual =.
- o símbolo ◊ (losango)** tornou-se o símbolo de ° (grau).
Por razões que deixo em aberto para adivinharem, há apenas um tipo de moeda incluso nesta fonte, o símbolo £ (alt+0163) (Sterling); e se você quer realmente escrever como Jane Austen precisará usar a ligatura alemã ß (alt+0223), que ela usava constantemente como “duplo s”. Por último, tive de inventar o X [maiúsculo]. Até hoje não encontrei um X sequer escrito por Jane. Então se você puder procurar nos manuscritos da escritora alguns exemplos de palavras como Xanadu, Xerox ou Xerxes, prometo atualizar minha fonte o mais rápido possível Finalmente, se você quiser fazer comparações ou somente ver como são os “os” mais ou menos escurecidos, eu recomendo um ótimo fac-símile de uma carta de Jane Austen. Você chega a esta carta por meio do sumário constante da página aqui, sob o título: “Facsimile of Autograph Letter of Jane Austen”, p. 230. (Peço desculpas, mas não consigo vincular diretamente para a imagem.) Obrigada pela visita.
* O inglês George Bickham (?-1769) foi um mestre gravador e famoso por seu manual The Universal Penman, publicado em partes de 1733 a 1741 e reimpresso completo em 1743.
** Este símbolo insira pelo mapa de caracteres [25CA Alt+X Unicode (hex)].
Post atualizado em 28|mar|2009
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Muito interessante! Adorei saber disso!