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“O primeiro Orgulho e preconceito a gente nunca esquece”
por Elaine Pinto
Minha Pilha de Livros

Eu era quase uma criança ainda – 13 anos de idade – quando vi aquele rapaz bonito, com adorável covinha no queixo, em roupas de época num filme colorizado. Era ninguém mais, ninguém menos que Laurence Olivier, na pele de Mr. Darcy, o aristocrático e orgulhoso mocinho de Orgulho e Preconceito (1940).

Greer Garson e Laurence Olivier, Orgulho e Preconceito, 1940

Laurence Olivier e Greer Garson | Mr. Darcy & Elizabeth Bennet, 1940

Até então eu nunca havia lido nada de Jane Austen, sequer a conhecia – mas já tinha um grande interesse por romances de época. Culpa de A moreninha, cujo protagonista, Augusto (que tem um quê de Mr. Darcy, aliás), foi minha primeira paixonite literária. Como se pode ver, eu já era predisposta a gostar de galãs de época quando fui apresentada ao Mr. Darcy pela primeira vez…

Foi um começo heterodoxo para a obra de Jane Austen, já que Orgulho e Preconceito de 1940 é uma adaptação nada fiel ao livro. Na verdade, o filme é uma adaptação de uma peça de teatro adaptada do livro. Que confusão! Por trás desse novo texto estavam os roteiristas Jane Murfin e Aldous Huxley (sim, o autor de Admirável Mundo Novo). E, embora a falta de fidelidade com a história do livro deixe muitos de nós um pouco incomodados hoje, na época em que o Orgulho e Preconceito foi rodado isso era bem comum… De fato, Rob Nixon, na página do site do TCM referente ao filme, frisa que “os críticos da época em que Orgulho e Preconceito foi lançado pareceram quase surpresos em notar o quanto de Austen conseguiu chegar às telas, e numa forma que certamente deliciaria mesmo quem conhecesse sua obra apenas casualmente”. Vai entender!

O filme não agrada aos puristas, mas quem for vê-lo de forma descompromissada, sem expectativas com relação à fidedignidade do texto, pode se divertir bastante, pois a adaptação tem muito em comum com as comédias românticas da época de ouro de Hollywood. Os arcos principais da história – as tensões entre Mr. Darcy e Lizzy e a fuga de Lydia – estão presentes, embora com muitos ajustes. Também não espere ver Lady Catherine De Bourgh em sua costumeira posição vilanesca, pois o personagem foi totalmente modificado para essa adaptação – confesso que adorei a mudança, e a atriz que a interpreta, Edna May Oliver, é uma excelente comediante. Outro que sofreu alterações foi o Mr. Collins, com uma mudança de emprego: em vez de pároco, o irritante primo das irmãs Bennet virou um contador. Isso porque a MGM tinha um tabu de não retratar membros do Clero sob uma luz desfavorável…

Miss Bingley, Mr. Darcy, Elizabeth e Mr. Wickham

Uma cena que não consta no livro: Mr. Darcy e Mr. Wickham no mesmo baile.

Se Laurence Olivier é meu Mr. Darcy preferido, do outro lado da câmera ele não se comportou in a gentlemanlike manner. Noivo de Vivien Leigh, Olivier fez uma pressão danada para que a sua amada fosse escolhida para interpretar o papel de Lizzy Bennet. O chefão da MGM, Louis B. Mayer, no entanto, acabou escalando Greer Garson, o que o desagradou tremendamente. Além disso, Orgulho e Preconceito virou uma espécie de “segundo trabalho” para Olivier na época, pois ele se envolveu com a produção de uma peça durante as filmagens, o que tomou todo o seu tempo fora dos estúdios. E, para completar tudo, a nova redação dada à obra não o agradava em absoluto! Ele apostava que o filme seria um fracasso, pois várias cenas-chave do livro foram retiradas e a MGM parecia mais preocupada em promover os atores e em focar nas indumentárias de época. Por falar nas indumentárias, elas também foram motivo de polêmica. Muito se fala que os vestidos usados em Orgulho e Preconceito foram reaproveitados de E o vento levou, para economizar dinheiro. O fato é que os vestidos são de épocas completamente diferentes: enquanto E o vento levou retrata o período de 1860, as indumentárias de Orgulho e Preconceito são fiéis à época de 1830. Além disso, os figurinistas de ambos os filmes são diferentes. Mas por que o estúdio optou por esse estilo? Simples: os executivos achavam que os vestidos fluidos da Era da Regência não teriam impacto visual nas telas do cinema. Por isso optaram por modelos com saias rodadas e grandes mangas bufantes. Com certeza causaram impacto!

Darcy se recusa a dançar com Elizabeth

Uma cena original: Darcy recusa-se a dançar com Elizabeth e ela escuta a conversa.

Ao contrário do que propaga a “história do reaproveitamento de vestidos”, a produção de Orgulho e Preconceito não sofreu grandes cortes financeiros e a MGM investiu fortemente na sua produção. Como recompensa ao investimento, o filme teve ótima bilheteria e foi o principal responsável pela projeção de Greer Garson como estrela hollywoodiana. Além disso, Orgulho e Preconceito conquistou o Oscar de Melhor Direção de Arte em Preto e Branco (sim, essa categoria existia!). Desde a primeira vez em que, ainda menina, vi o Mr. Darcy declarar seu amor por Lizzy Bennet daquela forma tão peculiar, li o livro original e assisti a várias adaptações de Orgulho e Preconceito para cinema e TV. Nem considero o filme de 1940 a melhor adaptação de todas – até porque diverge tanto da história que quase não considero uma adaptação, e sim uma releitura. No entanto, não tenho como apagar da mente a visão de Laurence Olivier dizendo a Greer Garson: “You must allow me to tell you how ardently I admire and love you”. Amores de infância duram para sempre. garson_olivier_pp1940

Imagem colorizada de Orgulho e preconceito 1940 para publicidade

  1. NOTA: Para quem não se importa em ler textos em inglês e deseja aprofundar conhecimentos sobre a produção de Orgulho e Preconceito (1940), recomento muito o link TCM Archives. De lá saíram muitas das informações contidas neste artigo.
  2. IMAGENS: Irish Eyes e IMDb

 

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21 comentários

  1. Eu também amo essa versão, mesmo indo contra a opinião de muitos, acho que deixou a sátira em evidência. Pois são poucos que notam esse “Q” de críticas/ironias e só enxergam a história de amor.

    O que falar de Laurence, sou fã suspeita, ele é incrível.

    Ainda curto muito a corrida das charretes, uma da partes que amooo !!

    Texto impecável Elaine ! Parabéns !

  2. Ótimo texto, Raquel!

    Parece que esse era um comportamento padrão do Laurence Olivier, pois se eu não me engano ele também ficou irritado pelo mesmo motivo no filme do Hitchcock, Rebecca, em que ele também queria que a sua namorada fizesse o papel da protagonista, mas não conseguiu.

  3. Que ótimo texto.
    Eu não sou muito fã dessa adaptação, mas com certeza não posso deixar de admitir que Laurence Olivier é um Mr. Darcy maravilhoso!

  4. Não sou fã demias dessa adaptação, mais acho ela bem legal e divertida! E a Lady Catherine que eles passam então rs..
    Vi vendendo na saraiva e mandei meu pai comprar e ele comprou… Meu pai é tão bonzinho! Graças a ele assiti esse filme. Agora só tá faltando a série e o Orgulho e Preconceito de 1980, para completar a coleção.
    Mas eu gosto muito desse filme, embora prefira as adaptações de 2005 e 1995, esse filme chama a atenção e é a primeira adaptação!
    E ainda eu gosto do Laurence Oliver….
    E não sabia que a atriz que era casada com ele que fez o clássico ” E o vento levou..” Ai gostei muito desse artigo!

  5. E ontem eu estava vendo essa versão! Eu adoro o Darcy do Laurence, ele se acha “o cara”! E isso me faz rir muito porque ele esculacha a Lizzie pelas costas mas chega todo pimpão p/convidá-la à uma dança kkkk! É o típico cara que se acha o irressitível mas só toma na cara!

    Adorei Lady Catherine mas achei tudo no fim tão bonzinho! Ela ajudando o Darcy a ficar com a Lizzie?? Hum, hum! Que coisa, deveria ser a doçura da época só pode.

  6. Eu acho essa versão bem divertida! (Sem mencionar que Greer Garson ta no topo das minhas atrizes preferidas!) E gosto do Olivier também… Mas ele sempre arrumando encrenca por causa da Vivien, né? Fez a mesma coisa n’O Morro dos Ventos Uivantes e em Rebecca… As suas co-estrelas é que pagam o pato, coitadas! HAHA Mas ele foi um grande ator! (E muito bonito também!)
    Que legal, Raquel! Também descobri Jane Austen (por Orgulho e Preconceito) aos 13 anos, e foi um dos meus maiores achados até hoje!

    1. Alana,

      um fã de Greer Garson, me indique filmes dela, por favor! Laurence também aprontou no Morro dos Ventos Uivantes? Vixe…

      1. Pois é, em praticamente todas as produções das quais ele participou, Olivier tentou emplacar a Vivien Leigh como protagonista feminina. E ela fez o mesmo por ele. Mesmo assim, pelo que eu saiba, nunca contracenaram juntos numa produção hollywoodiana…

      2. Elaine,

        os diretores deveriam temer dois egos exacerbados trabalhando juntos e pelo que se sabem brigavam muito.

  7. Nossa, Raquel. Você disse que eu ia gostar desse texto e acertou na mosca…Adorei!

    Eu concordo com tudo o que você mencionou, Elaine! E também considero o filme mais uma deliciosa Sessão da Tarde (do TCM) descompromissada que um adaptação propriamente dita. Confesso que quando o vi pela primeira vez na TCM, assim de surpresa, custei a acreditar que se tratasse de “Orgulho e Preconceito”.

    Mas Olivier é Olivier. Impossível não se render aos encantos dele. E imagino que como um bom britânico ele deve ter lutado com unhas e dentes para manter a história original.

    Nos anos seguintes Greer se tornou amiga de Vivien Keigh, chegando a receber pela amiga o Oscar que ela ganhou por “A Streetcar Named Desire”. Há quem discorde, mas acho que ela realmente tinha os “fine eyes” da Lizzy da minha imaginação.

  8. Interessante os comentários. Acho que sou a única que detestei essa versão, e não gosto de Olivier. Mas adoro Matthew e Collin…

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